São Paulo, Quinta-feira, 27 de Maio de 1999
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CINEMA
Censura a filmes no Brasil vira livro

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas


O livro "Roteiro da Intolerância - A Censura Cinematográfica no Brasil", que será lançado hoje à noite no Espaço Unibanco de Cinema, poderia ser apenas um delicioso besteirol.
Bastaria para isso que seu autor, o pesquisador e crítico Inimá Simões, se limitasse a transcrever os pareceres da censura sobre os filmes interditados ou mutilados em nome da "segurança nacional" ou dos "valores morais da família brasileira".
Mas o livro vai muito além disso. Ancorado numa pesquisa cuidadosa nos arquivos da censura e em entrevistas com cineastas e censores, o autor explicita a gênese e o mecanismo de funcionamento dessa máquina de cercear a informação e a imaginação.
Não há em "Roteiro da Intolerância" uma relação extensiva de todos os filmes censurados -o que seria útil, mas enfadonho-, e sim um levantamento, por amostragem, de casos reveladores da natureza da censura.
Por outro lado, a abordagem não se restringe ao período do regime militar (1964-85), embora este seja o foco principal da pesquisa.
Como mostra Simões -baseado em livro de Maria Rita Galvão-, a censura cinematográfica no Brasil começou praticamente junto com o próprio cinema -e sobreviveu ao fim da ditadura militar.
Já na Nova República, por pressões do alto clero católico, o governo Sarney vetou a exibição em território nacional do célebre "Je Vous Salue Marie", de Jean-Luc Godard.
Mas é claro que foi durante o período militar que a censura floresceu como uma planta carnívora.

"Elite"
Nada passou incólume pela tesoura: do cinema mais sofisticado (Antonioni) ao mais popular (Zé do Caixão), da alegoria política ("Terra em Transe") à comédia de costumes ("Marcelo Zona Sul"), todos foram alvo da arbitrariedade dos censores.
Estes, como mostra Simões, eram considerados a "elite intelectual" da polícia, mas seus pareceres revelam uma estupidez sem tamanho -e sem a menor noção do ridículo.
Os exemplos são inúmeros.
Ao recomendar a interdição de "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" (1966), de José Mojica Marins, o censor Manoel Felipe de Souza Leão escreveu, entre outras pérolas: "O filme ora examinado focaliza as facetas de um autêntico débil mental que não acreditava na reencarnação (...). Ao ser perseguido, o produtor grita aos quatro ventos que a vida eterna não existe simplesmente...".
Além de confundir o realizador do filme (Mojica) com seu personagem (Zé do Caixão), o "intelectual" da polícia não admitia que uma "pessoa normal" negasse a reencarnação e a vida eterna.
Absurdos como esse encontram-se a cada página de "Roteiro de Intolerância", um livro que -para dizê-lo à maneira dos censores- diverte e instrui.


Avaliação:


Livro: Roteiro da Intolerância Autor: Inimá Simões Editora: Senac/Terceiro Nome Lançamento: hoje, às 19h, no Espaço Unibanco de Cinema (r. Augusta, 1.475, tel. 011/288-6780)

O colunista José Simão está em férias.


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