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Beijo gay em Berlim ainda opõe artistas e políticos
Monumento às vítimas gays do Holocausto também é alvo das feministas
Imagem de beijo gay foi vetada no convite; artistas Michael Elmgreen e Ingar Dragset terão de mudar filme exibido no memorial
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Era para ser um monumento
às vítimas homossexuais do
Holocausto o bloco de concreto
erguido há um mês à beira do
Tiergarten, parque central de
Berlim. Mas, segundo os artistas por trás do projeto, virou
símbolo de como a política consegue sufocar a arte e sinal de
que, apesar de tudo, a Alemanha continua homofóbica.
"Não queríamos uma abstração, como triângulos cor-de-rosa", diz à Folha Michael
Elmgreen, dinamarquês radicado na Alemanha, que assina
o projeto do memorial com o
parceiro Ingar Dragset -os
dois participaram da 25ª Bienal de São Paulo, em 2002.
Imitando as lápides de concreto do monumento aos judeus mortos sob o regime de
Hitler, o novo bloco fica a alguns metros dali e mostra, dentro de uma pequena fresta, um
vídeo de dois homens se beijando, dirigido pelo também
dinamarquês, co-fundador do
Dogma, Thomas Vinterberg.
"Queríamos uma imagem explícita", conta Elmgreen.
O estopim do conflito foi
quando o ministro alemão da
Cultura, Bernd Neumann, censurou a imagem que deveria estampar o convite para a inauguração oficial do monumento.
No lugar do beijo, um cartão todo cinza, sem imagens, chegou
às mãos dos convidados.
A feminista Alice Schwarzer
levantou outra queixa: um memorial às vítimas gays só com
homens ignora o sofrimento
das lésbicas mortas no Holocausto. Na cerimônia, chamou
o projeto, aprovado numa competição que desbancou sugestões de artistas como Wolfgang
Tillmans, de "kitsch" e "fálico".
Os artistas agora, cedendo à
pressão de feministas e outros
grupos de interesse, terão de
mudar a cada dois anos o filme
exibido dentro do memorial.
Arte coletiva?
"É ridículo e vergonhoso que
eles estejam passando por isso", diz Thomas Vinterberg à
Folha, por telefone, de Copenhague. "Arte é subjetiva. Nunca é possível chegar a um acordo coletivo em relação à arte."
Em preto-e-branco, o filme
dentro do memorial foi gravado no mesmo lugar onde está
hoje o bloco de concreto, dando
a impressão de estender a paisagem de fora para dentro do
cubo. Mudar o filme, na opinião
de Vinterberg, destruiria esse
efeito. "Se eu soubesse que chegaria a isso, jamais teria participado do projeto."
Os artistas lembram que a
construção do memorial gay fora aprovado na administração
do Partido Verde, anterior aos
democratas cristãos agora no
poder. "Eles apóiam o papa,
não querem ver dois homens se
beijando", diz Elmgreen, acrescentando que foi seu primeiro e
último projeto público. "Jamais faremos algo do tipo de
novo, vimos que tem muito
pouco a ver com arte e muito
mais a ver com política."
"O monumento virou um comentário sobre a vida política
na Alemanha no início deste século mais do que uma homenagem a homossexuais", lamenta
Vinterberg. "Artistas deveriam
ser protegidos, não manipulados. O que fizeram foi arruinado; ser gay ainda é tabu."
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