São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 2008

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Crítica/"Onde Andará Dulce Veiga?"

Repetições estéticas tornam filme ultrapassado

Guilherme de Almeida Prado continua preso aos anos 80 em trama noir

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Ao emergir do universo da boca do lixo nos anos 80, Guilherme de Almeida Prado surpreendeu com sua apropriação dos códigos de gênero dos filmes eróticos para transformá-los em cinema com ambições autorais. Longe desse espírito de oxigenação, "Onde Andará Dulce Veiga?" é o contrário das liberdades inventivas de "As Taras de Todos Nós" e "A Flor do Desejo", que atraíram atenção para o diretor paulista. Ao manter-se fiel às obsessões estéticas, o cinema de Prado tornou-se vítima da própria paródia.
"Onde Andará Dulce Veiga?" reproduz sem avançar toda a série de procedimentos fetichistas que o público já conhece dos primeiros filmes da versão tropical do chamado "néon-realismo". Uma trama de inspiração "noir", conduzida por uma mulher fatal, os efeitos dúbios de um mundo organizado pelas potências do falso e uma sucessão de imagens que seduzem à primeira vista por sua qualidade e bom acabamento. Tudo remete ao desejo de sofisticação que se alimenta quase só do que é "refinado" na estética cinematográfica.
Enquanto a maioria que aderiu a essa estética nos anos 80 mudou a estratégia (Coppola, Lynch, Almodóvar) ou desapareceu (Beineix, Carax), Prado repete os mesmos tiques sem demonstrar ter percebido a passagem do tempo.
Seus dois filmes dos anos 90, "Perfume de Gardênia" e "A Hora Mágica", já indicavam o esgotamento de idéias como a trama labiríntica, a indeterminação entre real e imaginação e a matriz do policial dos anos 40 transferida para um Brasil de temporalidade suspensa.
Nessa perspectiva, a estrutura criativa do roteiro, o excelente acabamento técnico, o uso astuto de estrelas de TV e do próprio repertório, o olhar nostálgico para outras épocas perdem a importância sob a incapacidade do projeto fazer sentido como um todo. Pois tudo que se apresenta como signo de qualidade em "Onde..." naufraga sob o peso da motivação de Prado em se impor como autor.
Poderia até parecer relevante, para que tal intenção se concretizasse, apontar a projeção do diretor e do autor da história original na figura central de Caio, cujo périplo em busca do destino da enigmática personagem-título processa-se como auto-descobrimento. Em nenhum momento, porém, o filme olha para o umbigo de forma irônica, permitindo se descolar do vácuo de "trip" geracional, de passeio por um museu preenchido por imagens de si mesmo e de sua turma. Por sua incapacidade de se libertar daquilo que um dia se convencionou chamar "pós-moderno", "Onde Andará Dulce Veiga?" só confirma que não há nada mais ultrapassado que o passado recente.


ONDE ANDARÁ DULCE VEIGA?
Produção:
Brasil, 2007
Direção: Guilherme de Almeida Prado
Com: Eriberto Leão, Carolina Dieckman, Maitê Proença
Onde: estréia hoje no Unibanco Arteplex; classificação: 16 anos
Avaliação: ruim


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