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Anna Bella Geiger pensa origens e rumos do Brasil em seus mapas
Artista expõe obras dos anos 70 aos dias de hoje em mostra na Caixa Cultural
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
É o fio da navalha que está no
centro dos mapas que Anna Bella Geiger desenhou. Das nuvens contrastadas que viram
gravuras em metal a imagens
de satélite do Amazonas, tudo
ressurge sampleado em obras
que tentam indicar as origens e
os caminhos do Brasil.
Suas 60 obras reunidas na
Caixa Cultural partem de buracos na terra, da superfície lunar
e do metrô nova-iorquino para
lastrear um denso alcance político: o anônimo, o lúdico e o trivial a serviço de uma estética
cortante, com os pés no chão e a
cabeça onde quer estar.
No rastro do boicote à Bienal
de 1969, que convulsionou o
meio artístico, Geiger, 76, fugiu
das discussões políticas que
ocuparam a classe e encarou a
ditadura com o registro de espirais e outros desenhos que fez
na areia. "Havia uma crise no
que eu acreditava", lembra.
"Perdeu sentido qualquer obra
que só pensasse na forma."
Encontrou na fotografia um
suporte eficaz para fins de registro. "É uma coisa seca, falar
de política sem ser religioso."
Do contato com a terra, veio
um interesse antropológico.
Pediu então para ser fotografada na mesma pose de índios estampados em cartões postais
que encontrava nas bancas de
jornal nos anos 70. A filha de judeus alemães, arco-e-flecha em
punho, fica ao lado do índio nu.
"Se existe um Brasil nativo,
existe um Brasil alienígena."
Mais do que alienígena, uma
terra erodida. "É uma comoção,
não em relação ao índio, mas
com o fato de todos estarmos aí
com uma cidadania capenga."
Na mesma década, Geiger
mastiga esse país em "Pão Nosso de Cada Dia", talvez a obra
de maior carga política da mostra. É uma série de fotografias
em que a artista morde num
pedaço de pão um buraco na
forma do mapa do Brasil. "E comendo mais, a América do Sul."
Outro mapa mostra um Brasil metálico e uma nuvem negra. "Esses mapas tentam mostrar o país num tempo de
chumbo, pesado", diz Geiger.
"A nuvem negra é de chuva."
Nos dias de sol, ela leva o contraste ao grau máximo para
compor um mapa celeste em
verde e amarelo. São nuvens
que lembram massas de terra,
continentes disformes de um
lugar que poderia ser aqui.
A lua, em imagens enviadas à
Terra depois que o primeiro
homem pisou lá, entra nessa
cartografia imaginária como
alusão ao racha entre centro e
periferia. A imagem da superfície lunar em gravura de metal
virou capa de caderno escolar e
-ironia ou não- entrou subliminar na formação de crianças
deste país ainda periférico.
Na mostra, como na história,
as obras se dividem entre antes
e depois dos anos 70 por uma
navalha. Sob imagens de uma
lâmina que se aproxima, Geiger
escreveu a legenda: "Passagem
de um modo de ser a outro".
ANNA BELLA GEIGER
Quando: abertura hoje, às 11h; ter. a
dom., das 9h às 21h; até 9/8
Onde: Caixa Cultural (pça. da Sé,
111, tel. 0/xx/11/3321-4400)
Quanto: entrada franca
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