São Paulo, domingo, 27 de junho de 2010

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A vingança dos Nerds

Cientistas patetas de "The Big Bang Theory" batem média de audiência de "Lost" na última temporada e consolidam série como a comédia mais vista por adultos nos EUA

Divulgação
O físico neurótico e antissocial Sheldon (vivido por Jim Parsons)

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Sendo um cientista preocupado com a difusão da ciência para o público não especializado, não há como não celebrar séries em que cientistas são protagonistas.
A coisa anda na moda aqui nos EUA. Em "Numb3rs", um matemático especializado em estatística ajuda a polícia a decifrar crimes difíceis.
Em "The Big Bang Theory", dois físicos, um teórico, outro experimental, vivem no mesmo andar de uma garçonete gata com sonhos de virar atriz. Os físicos têm dois amigos, igualmente brilhantes e incapazes de agir (e reagir) de modo normal.
Até mesmo na literatura recente, parece que descobriram que cientistas são personagens interessantes.
Ian McEwan e John Ban- ville publicaram neste ano romances com físicos e matemáticos como personagens principais. É bom também lembrar que Cacá Diegues, em "O Maior Amor do Mundo" (2006), teve como protagonista um astrofísico brasileiro radicado nos EUA.
Tomadas conjuntamente, essas obras ilustram algo de interessante: o contraste entre a TV de um lado e a literatura e o cinema de outro.
Na TV, especialmente na série "Big Bang", a imagem do cientista é a de um quase pateta, incapaz de funcionar socialmente ou de ter relações interpessoais normais.
Neuróticos, afeminados, completamente estereotipados, os cientistas são essencialmente palhaços. Todas as idiossincrasias que se espera do mais nerd dos cientistas afloram a cada episódio. Ou seja, a série usa uma imagem distorcida dos cientistas para criar situações de humor.
O título é basicamente uma apelação para chamar a atenção do público. Imagino que o "Big Bang" aqui sejam as relações explosivas entre os personagens.
Ciência essencialmente só existe nas deduções lógicas e rápidas que ocorrem nas conversas entre personagens e nas asserções meio incompreensíveis que são feitas.
Fico pensando em outras séries na TV atual em que o tema gira em torno de um time da polícia ou de um escritório de advocacia ou de médicos num hospital, como a famosa "House".
Em raríssimos casos, essas profissões são tomadas como veículos de humor. Ao contrário, os policiais, advogados e médicos são heróis, salvam vidas, resolvem casos complicados, prendem assassinos perigosos. O contraste, para quem tenta combater o estereótipo do cientista nerd na mídia, é doloroso.

ANTI-HERÓIS
Entendo que é delicado dramatizar ciência. Ao escrever roteiros sobre temas científicos, tem-se de tomar muito cuidado para que a ciência não vire protagonista. Afinal, as pessoas querem se divertir ao assistir uma série e não aprender sobre a teoria da relatividade ou a mecânica quântica.
Mas certamente existem outros modos de fazer da ciência objeto dramático ou mesmo engraçado sem ridicularizar o cientista. Apesar de confessar que acho "Big Bang" engraçada, preferiria ver outra em que cientistas são heróis, e não patetas.


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