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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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FESTIVAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Criado há 24 anos, grupo equatoriano se destaca no evento com a peça "Nuestra Señora de las Nubes", de Arístides Vargas

Malayerba captura a memória pela raiz

VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

"Sabemos que se não lembrarmos quem fomos será impossível sermos, seja lá o que for. É impossível ser sem o que se foi."
Ditas em espanhol ou transcritas para o português, as palavras de María del Rosario Francés, 53, bailam igualmente como num vaivém de haicai. Ela é uma das fundadoras do grupo equatoriano Malayerba (1979). Contracena com o marido, o diretor Arístides Vargas, 49, em "Nuestra Señora de las Nubes".
O espetáculo passou pelo 3º Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, que termina hoje (leia crítica abaixo).
Francés trata da matéria da memória como quem vela o sono de um bebê recém-nascido. A peça de Vargas promove o encontro de um homem e de uma mulher em terra estrangeira. Exilados, os personagens compartilham dores e solidões. Seus intérpretes, Francés e Vargas, se desdobram em outros papéis. Em histórias de sonhos, amor e poder dosadas com realismo fantástico.
Aliás, a origem do nome do grupo faz jus. Certo dia, eles apresentavam o primeiro espetáculo do grupo, um texto do comediante italiano Dario Fo, num colégio de freiras, em Quito, quando foram tocados do local com laranjas nas costas e gritos de "malayerba, malayerba!". Motivo: a cena em que Jesus, o personagem, tirava um "ranho" do nariz.
"Naquela época, os grupos nasciam e morriam quase imediatamente. Há uma expressão popular que diz que "malayerba nunca muere" [a erva ruim pode equivaler, aqui, ao vaso ruim que não quebra]. O desejo de que o teatro não morra nos levou a optar pelo nome", conta Francés.
Nesses 24 anos, o Malayerba segue acreditando que o teatro é um bem simbólico. Por meio dele, da ficção, afirma a atriz, pode-se descortinar uma realidade oculta. Ao final de uma apresentação em Rio Preto, Francés não hesitou em falar da fome em seu país, reforçando a "pausa dramática" em meio aos aplausos.
"A fome é uma forma de perseguição política", afirma um personagem da peça.
"É preciso tirar as palavras das sombras, não temer aquilo que tem que ser dito", diz Vargas, que nasceu na Argentina e partiu para o exílio aos 20 anos.
Para Vargas, também autor de "La Edad de la Ciruela" (1995), encenada no Festival de Curitiba em 2002, o teatro é uma experiência política, emocional. "Mas não há aquele compromisso que se entendia 20, 30 anos atrás, quando era preciso dizer uma verdade, passar uma mensagem, em nome de uma revolução", ressalva.
A revolução, afirma o ator-autor, se dá no palco mesmo, por meio do gesto, do movimento, da palavra. E lá estão Vargas e Francés, na terceira visita ao Brasil (o grupo tem ao todo 11 atores), destilando o perfil amargo e, ao mesmo tempo, a ternura desses homens e mulheres que tentam lembrar algo que nunca poderão reconstruir, mas é palpável como a memória das mãos.


3º FESTIVAL INTERNACIONAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. Último dia. Quanto: De R$ 2,50 a R$ 10 ou entrada franca. Mais informações pelo tel. 0/xx/ 17/3215-1830. Co-patrocinador: Petrobras.

Colaborou Sergio Salvia Coelho. O jornalista Valmir Santos, o crítico Sergio Salvia Coelho e a fotógrafa Lenise Pinheiro viajam a convite da organização do festival



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