São Paulo, terça-feira, 27 de julho de 2004

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Brasil negocia encenação de nova peça de Peter Brook

"El País"
O ator malinês Sotigui Kouyate, em cena de "Tierno Bokar"


"Tierno Bokar", baseada nas idéias de sábio africano, deve passar em agosto por São Paulo e Belo Horizonte; visita do diretor está em negociação

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Boas notícias para o teatro brasileiro: o diretor britânico Peter Brook, 79, estreou neste mês nova montagem e o país deve assisti-la já em agosto. Inclusive, finalmente, com a presença do próprio encenador, referência do pensamento teatral contemporâneo, responsável por clássicos como "Mahabharata" (1985) e "Marat/ Sade" (1964).
Podem vingar, nesta semana, as negociações para a vinda de "Tierno Bokar", título homônimo do sábio africano que viveu entre os séculos 19 e 20.
A mais recente incursão de Brook pelo universo do sagrado, com atores do Centro Internacional de Criação Teatral (Cict), sediado em Paris, no teatro Buffes du Nord, tem apresentações reservadas para a última semana do Festival Internacional de Teatro - Palco & Rua, o FIT, de Belo Horizonte (de 18 a 30 de agosto). Seria um feito e tanto para os dez anos da mostra.
Contudo, o seu coordenador-geral, Marcelo Bones, aguarda definição quanto à passagem, ou não, do espetáculo por São Paulo, o que seria fundamental para incluir o projeto na programação anunciada há dias, com destaque para a trilogia bíblica do grupo Teatro da Vertigem.
A idéia é que a turnê pelo Brasil tenha início em São Paulo, na primeira semana de agosto, e siga para Belo Horizonte. Pelo menos duas instituições são cotadas para a parceria paulista, mas os negociadores preferem não divulgá-las até baterem o martelo.
O festival Porto Alegre em Cena, que acontece em setembro, era o terceiro braço dessa empreitada, mas desistiu por causa do recuo de um patrocinador. Em 2000, a capital gaúcha recebeu pela primeira vez no país uma peça de Brook, "Le Costume" (O Traje).
A produção, em cada cidade, custará em média R$ 400 mil para quatro apresentações de "Tierno Bokar" e encontro de Brook com o público -equivalente, por exemplo, a 36% do orçamento da última edição do FIT de São José do Rio Preto (R$ 1,1 milhão), que terminou no último domingo.
"A viagem ainda não está 100% confirmada", diz a produtora de Brook, Clara Bauer, em entrevista por telefone de Paris. "Devemos resolver isso até quarta-feira [amanhã]." Foi ela quem negociou com o produtor gaúcho Luciano Alabarse a vinda de "Le Costume" e de "Hamlet", esta capitaneada em 2002 pelo Sesc e vista no Rio e em São Paulo.
As respectivas montagens traziam como marca do espaço cênico um tapete, despojamento amparado por exímio trabalho de atores. Memorável aquela tragédia de Shakespeare em concepção tão essencial e não menos cruel em sua humanidade.
No início da década de 70, em expedição por alguns países da África, Brook e grupo deram início aos experimentos com o "the carpet show", o espetáculo no tapete. O continente africano é mais uma vez evocado pelo encenador, agora segundo os vieses filosófico e espiritual tão caros à cultura milenar daquela região.
Quem interpreta o papel-título em "Tierno Bokar" é o ator malinês Sotigui Kouyate, 67, há 21 anos ligado ao Cict. O elenco conta com mais nove intérpretes, de várias partes do mundo, entre eles dois outros veteranos das jornadas de Brook: o inglês Bruce Myers e o japonês Yoshi Oida. E permanece a cumplicidade de décadas com a dramaturga francesa Marie-Hélène Estienne.
"Tierno Bokar" estreou no último dia 6, na Alemanha, dentro da trienal de Ruhr, evento de música e teatro realizado na mesma região industrial que abrigou recentemente a turnê de "Os Sertões", com o Oficina Uzyna Uzona, de José Celso Martinez Corrêa.
A criação de Brook estréia hoje no Fórum Barcelona 2004, para curta temporada, até 4 de agosto (ambos os eventos co-produziram o espetáculo). É aí que entraria a turnê brasileira, antes até de a peça chegar à França (na cidade de Lilie e no Bouffes du Nord). A expectativa (se a peça vem ou não) é digna do pêndulo do visível e do invisível. Num contexto africano, como diz Brook no seu livro "O Ponto de Mudança" (87), não se trata de fantasia, mas faces da mesma realidade.


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