São Paulo, terça-feira, 27 de julho de 2004

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TERROR CONTRA A ARTE

Steve Kurtz, que cultivava bactérias em sua casa, pode pegar até 20 anos de prisão

Artista dos EUA enfrenta acusação de bioterrorismo

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

A liberdade dos artistas e a livre expressão estão em risco nos EUA. Acusado de bioterrorista por manter em casa equipamentos e bactérias considerados suspeitas pelo FBI, o professor universitário e co-fundador do coletivo de arte conceitual Critical Art Ensemble, Steve Kurtz, 46, pode ser condenado a até 20 anos de prisão pela Justiça americana.
O mal-entendido começou em Nova York, município de Buffalo, na manhã de 11 de maio de 2004, quando Kurtz percebeu algo de errado com sua mulher, a também artista Hope Kurtz, que não respirava a seu lado na cama.
Vieram os paramédicos, depois a polícia e, em menos de 24 horas, estava preso, teve a casa revistada e mal teve tempo de cuidar do funeral da mulher, morta em decorrência de um ataque cardíaco.
A suspeita: um minilaboratório de extração de DNA e uma série de culturas de bactérias foram encontrados na casa do casal, o que levou os policiais a acionarem o FBI, que acionou a divisão antiterrorismo, que isolou a área, levou os materiais para exame e -surpresa-: o laboratório e as bactérias, que na verdade fariam parte de uma instalação questionando a venda de alimentos transgênicos, eram inofensivos.
Mesmo assim, Steve Kurtz, que já havia apresentado obras semelhantes em exposições anteriores, foi indiciado, está proibido de viajar e deve fazer testes de drogas regularmente. O motivo: obtenção ilegal, ou furto, de equipamentos e substâncias no valor total de US$ 256 -um crime menor para a Justiça americana.
Diz o Patriot Act (Ato Patriota) que é proibido "possuir qualquer agente biológico ou toxina" em "quantidade não razoavelmente justificada para profilaxia, proteção, pesquisa de boa-fé ou outros propósitos pacíficos".
O chefe do departamento de genética da faculdade de saúde pública da Universidade de Pittsburgh, Robert Ferrel, também está sofrendo as mesmas acusações por ter obtido as substâncias e equipamentos para Kurtz.
"O julgamento só acontecerá dentro de alguns meses. Há uma chance mínima de as acusações serem derrubadas antes disso, mas isso é só esperança da nossa parte", afirmou à Folha Beatriz da Costa, outra integrante do coletivo Critical Art Ensemble e também envolvida na instalação "Free Range Grain", que usaria as substâncias apreendidas com Kurtz e seria inaugurada no final de maio no Museu de Arte Contemporânea de Massachussets.
Seria, não: foi. No lugar do minilaboratório e do próprio artista, que deveria estar presente para "testar" alimentos comprados em supermercado e trazidos pelo público ao museu, o C.A.E. colou cartazes explicando a situação.
"Não podemos fazer a performance enquanto o FBI não devolver o nosso material", disse Costa. "Mesmo sem dizer que alimento geneticamente modificado é necessariamente prejudicial à saúde, pensamos que os consumidores deveriam ser informados da existência dessas substâncias na sua comida. Dentro dos EUA, essa já é praticamente uma causa perdida. Não há lei que exija esses rótulos e os americanos compram e comem essas coisas sem saber."
Grande parte das idéias de Kurtz e do coletivo a respeito de biotecnologia são discutidas no livro "The Molecular Invasion", publicado pela Autonomedia nos EUA e também disponível em www.critical-art.net/books/molecular. O objetivo do texto é despertar o interesse público para questões da ciência ("supostamente uma montanha alta demais para escalar") e, ainda, propor o que chamam de "sabotagem biológica indefinida", que "não requer confrontação física com autoridades e, em muitos casos, não inclui nenhum tipo de invasão de propriedade".
Ao contrário, o terror seria criado por microorganismos, plantas, répteis, componentes químicos e, por que não, mosquitos mutantes -que os autores ensinam como conseguir. "Soltos em laboratórios de pesquisa, eles podem ter um efeito perturbador", escrevem. "A paranóia institucional será tamanha que deve tirar a atenção deles de outras atividades inúteis". Mas o FBI não achou graça.


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