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TERROR CONTRA A ARTE
Steve Kurtz, que cultivava bactérias em sua casa, pode pegar até 20 anos de prisão
Artista dos EUA enfrenta acusação de bioterrorismo
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
A liberdade dos artistas e a livre
expressão estão em risco nos
EUA. Acusado de bioterrorista
por manter em casa equipamentos e bactérias considerados suspeitas pelo FBI, o professor universitário e co-fundador do coletivo de arte conceitual Critical Art
Ensemble, Steve Kurtz, 46, pode
ser condenado a até 20 anos de
prisão pela Justiça americana.
O mal-entendido começou em
Nova York, município de Buffalo,
na manhã de 11 de maio de 2004,
quando Kurtz percebeu algo de
errado com sua mulher, a também artista Hope Kurtz, que não
respirava a seu lado na cama.
Vieram os paramédicos, depois
a polícia e, em menos de 24 horas,
estava preso, teve a casa revistada
e mal teve tempo de cuidar do funeral da mulher, morta em decorrência de um ataque cardíaco.
A suspeita: um minilaboratório
de extração de DNA e uma série
de culturas de bactérias foram encontrados na casa do casal, o que
levou os policiais a acionarem o
FBI, que acionou a divisão antiterrorismo, que isolou a área, levou os materiais para exame e
-surpresa-: o laboratório e as
bactérias, que na verdade fariam
parte de uma instalação questionando a venda de alimentos
transgênicos, eram inofensivos.
Mesmo assim, Steve Kurtz, que
já havia apresentado obras semelhantes em exposições anteriores,
foi indiciado, está proibido de viajar e deve fazer testes de drogas regularmente. O motivo: obtenção
ilegal, ou furto, de equipamentos
e substâncias no valor total de
US$ 256 -um crime menor para
a Justiça americana.
Diz o Patriot Act (Ato Patriota)
que é proibido "possuir qualquer
agente biológico ou toxina" em
"quantidade não razoavelmente
justificada para profilaxia, proteção, pesquisa de boa-fé ou outros
propósitos pacíficos".
O chefe do departamento de genética da faculdade de saúde pública da Universidade de Pittsburgh, Robert Ferrel, também está sofrendo as mesmas acusações
por ter obtido as substâncias e
equipamentos para Kurtz.
"O julgamento só acontecerá
dentro de alguns meses. Há uma
chance mínima de as acusações
serem derrubadas antes disso,
mas isso é só esperança da nossa
parte", afirmou à Folha Beatriz da
Costa, outra integrante do coletivo Critical Art Ensemble e também envolvida na instalação
"Free Range Grain", que usaria as
substâncias apreendidas com
Kurtz e seria inaugurada no final
de maio no Museu de Arte Contemporânea de Massachussets.
Seria, não: foi. No lugar do minilaboratório e do próprio artista,
que deveria estar presente para
"testar" alimentos comprados em
supermercado e trazidos pelo público ao museu, o C.A.E. colou
cartazes explicando a situação.
"Não podemos fazer a performance enquanto o FBI não devolver o nosso material", disse Costa.
"Mesmo sem dizer que alimento
geneticamente modificado é necessariamente prejudicial à saúde,
pensamos que os consumidores
deveriam ser informados da existência dessas substâncias na sua
comida. Dentro dos EUA, essa já é
praticamente uma causa perdida.
Não há lei que exija esses rótulos e
os americanos compram e comem essas coisas sem saber."
Grande parte das idéias de
Kurtz e do coletivo a respeito de
biotecnologia são discutidas no livro "The Molecular Invasion",
publicado pela Autonomedia nos
EUA e também disponível em
www.critical-art.net/books/molecular. O objetivo do texto é despertar o interesse público para
questões da ciência ("supostamente uma montanha alta demais para escalar") e, ainda, propor o que chamam de "sabotagem biológica indefinida", que
"não requer confrontação física
com autoridades e, em muitos casos, não inclui nenhum tipo de invasão de propriedade".
Ao contrário, o terror seria criado por microorganismos, plantas,
répteis, componentes químicos e,
por que não, mosquitos mutantes
-que os autores ensinam como
conseguir. "Soltos em laboratórios de pesquisa, eles podem ter
um efeito perturbador", escrevem. "A paranóia institucional será tamanha que deve tirar a atenção deles de outras atividades inúteis". Mas o FBI não achou graça.
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