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CINEMA
Diretor espanhol fala de novo filme, sobre a favela do Candeal, em Salvador, e considera seu trabalho "otimista"
Trueba filma "musical social" no Brasil
IVAN PADILLA
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE BARCELONA
7
A favela do Candeal, em Salvador, ganhou nos últimos meses
um ilustre morador. O novo habitante se destaca entre a população
local. É branco, apresenta um
acentuado estrabismo e gosta de
usar chapéu. Trata-se do consagrado diretor espanhol Fernando
Trueba, 49, vencedor do Oscar de
filme estrangeiro com "Sedução"
(1992). O cineasta acaba de rodar
lá seu último projeto, "O Milagre
do Candeal", um filme sobre o cotidiano na favela, um "musical social", em sua própria definição.
O milagre a que se refere o título
é a transformação da vida dos
moradores através do trabalho
social desenvolvido por Carlinhos
Brown, como a Escola de Música
Popular Pracatum, que oferece
incentivos para as crianças estudarem e aprenderem música.
Trueba sentiu de perto os problemas dos moradores do Candeal.
Viu a pobreza da região e conheceu crianças condenadas à morte
por doenças, sem recursos para se
tratar. Ainda assim, considera ter
feito um filme otimista.
O fio condutor da obra é o olhar
de Bebo Valdés, um pianista cubano octogenário, de quem Trueba produziu "Lágrimas Negras",
o premiado disco feito em parceria com o guitarrista de flamenco
Diego "El Cigala". Quando soube
que o sonho de Valdés era conhecer a Bahia, o diretor percebeu
que tinha um enredo na mão.
Trueba se comprometeu a exibir o filme em primeira mão aos
moradores do Candeal. A idéia é
montar uma projeção ao ar livre,
no dia 11 de setembro, no meio da
favela, no marco da Jornada Internacional de Cinema da Bahia.
Depois disso, "O Milagre do Candeal" será exibido nos cinemas.
De Madri, Trueba falou à Folha.
Folha - O que há de documentário
e o que há de ficção em "O Milagre
do Candeal"?
Trueba - O documentário está
em que todo mundo interpreta a
si mesmo. A ficção está na maneira de rodar e no fato de que as cenas são provocadas, não são casuais. O filme rompe essa fronteira entre ficção e documentário, e a
música tem uma participação importante nisso. Classifico o filme
como um "musical social".
Folha - Qual é a participação de
Bebo Valdés?
Trueba - Valdés é um personagem de fora, ele mesmo, um músico cubano de 85 anos, exilado há
45. Vai a Salvador em busca de
suas raízes africanas e conhece
um músico que o leva até o Candeal. É o personagem condutor.
Através de seus olhos, descobrimos o Candeal e sua música.
Folha - Na Europa, se conhece
muito a bossa nova, mas talvez não
tanto a música feita na Bahia. Você
acha que o público europeu vai se
surpreender com o filme?
Trueba - Mais que surpreender,
espero que o filme contagie de
amor o público. Acho que é um
filme otimista, vitalista. E espero
que descubram mais coisas do
Brasil e o amem ainda mais.
Folha - Como em "Sedução", você
e sua equipe viveram na mesma casa durante as filmagens. É saudável essa convivência intensiva?
Trueba - Quando você filma fora
de sua cidade, convive mais com a
equipe, não está olhando no relógio para ver que hora vai voltar
para a casa. Sua vida é o filme. Se
além disso vivemos todos juntos,
a equipe vira uma família. Acho
que deveria ser sempre assim. Se o
seu filme não é o mais importante, você não deve fazer filmes.
Folha - Como conheceu o trabalho de Carlinhos Brown?
Trueba - Conheço a música de
Carlinhos Brown desde seu primeiro disco, "Alfagamabetizado".
Caetano também tinha me falado
do trabalho de Carlinhos na comunidade. Carlos López, presidente da BMG da Espanha, nos
apresentou e disse que eu precisava visitar o Candeal. Minha primeira viagem foi há um ano. Depois voltei em dezembro. E em janeiro começamos as filmagens.
Folha - O que chamou sua atenção no Candeal?
Trueba - O talento e a beleza das
pessoas de lá. A transformação do
bairro através da música e o trabalho da comunidade. O milagre
de poder passear pelas ruas a
qualquer hora, livre de crimes e
armas. É uma comunidade exemplar, ainda que tenha problemas.
Folha - Em que o Candeal se diferencia de outras favelas do Brasil?
Trueba - No Candeal, você pode
caminhar tranqüilo, sentar para
conversar com as pessoas. Me sinto mais seguro lá do que em Madri, Paris ou Nova York.
Folha - Você diz que considera o
Candeal como sua cidade, que conhece mais gente lá do que no bairro onde nasceu.
Trueba - O bairro onde nasci só
existe nas lembranças. Os lugares
mudaram, as pessoas se mudaram. No Candeal, conheço muita
gente: meninos, jovens, adultos,
velhos. Gosto do ambiente que se
respira, o tratamento das pessoas,
o sentido de comunidade.
Folha - "Cidade de Deus" também
retrata a vida numa favela. O que
achou do filme?
Trueba - Acho um grande filme.
Muito bem feito. Só me pergunto
se não utiliza a fotogenia do crime
e da miséria. Se não transforma
tudo em um grande videoclipe.
Não é uma acusação. É uma pergunta que me faço como diretor.
É algo sobre o que refletir. Acho
que o cinema deve mostrar a realidade, mas também a utopia, o
sonho, o caminho possível.
Folha - Por que decidiu exibir o
filme no Candeal antes da estréia?
Trueba - Acho que eles devem
ser os primeiros a ver o filme. Espero que gostem. Quero seguir
colaborando com projetos da comunidade. Filmei no mundo inteiro. Mas no Candeal criei mais
vínculos com os moradores. O
Candeal está no meu coração e
nunca sairá. Rodar o filme foi
uma experiência inesquecível.
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