São Paulo, sexta-feira, 27 de julho de 2007

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MÚSICA

"Multiplataforma", Prince se recria como popstar

Em sua terceira década de carreira, músico lança CD "Planet Earth" de graça em jornal

Fenômeno de vendas, artista é disputado por gravadoras e dá álbuns de graça em shows, que podem acontecer sem aviso prévio

JON PARELES
DO "NEW YORK TIMES"

"Tenho muito dinheiro!", felicita-se Prince em "The One U Wanna C", de seu novo álbum, "Planet Earth" (Columbia). Não há razão para não acreditar. Com um patrocínio aqui e um show exclusivo ali, participações em TV no mundo todo e música distribuída de graça, Prince se refez como popstar do século 21. Enquanto gravadoras choram o encolhimento do mercado, ele comprova que carisma e disposição ainda são vendáveis, tornando-se um artista "multiplataforma".
Prince causou estranheza por distribuir o álbum gratuitamente, encartado num jornal britânico -uma das muitas maneiras pelas quais vem mostrando que encara o negócio da música de um modo diferente.
Embora tenha recusado um pedido de entrevista sobre "Planet Earth", Prince anda altamente visível. Sua carreira já adentra a terceira década, e ele poderia ter se tornado saudosista. Em vez disso, decidiu o que quer da indústria musical do século 21, e o que quer é mais música. Apesar de seu guarda-roupa bombástico e da sua fixação pela cor púrpura, suas escolhas profissionais vêm sendo inteligentes, especialmente em se tratando de um artista tão compulsivamente prolífico.
Como a maioria dos popstars, Prince faz turnês grandes para coincidir com seus lançamentos. Mas também sai por aí e se apresenta sempre que quer. Em 2006, invadiu um clube de Las Vegas e o rebatizou de 3121, nome de seu álbum que gerou teorias conflitantes sobre o significado do número. Passou a cantar no clube duas vezes por semana, para 900 pessoas, a US$ 125 o ingresso. Em fevereiro, milhões de pessoas viram sua apresentação no intervalo do Super Bowl.
Enquanto isso, a operadora Verizon inseriu Prince em comerciais que usam "Guitar", outra canção de "Planet Earth", como isca para um de seus serviços, oferecendo download gratuito para celulares. Neste mês, Prince lançou o perfume 3121 com um show na Macy's de Minneapolis. No Reino Unido, enfureceu varejistas ao fechar um acordo com o jornal "The Mail on Sunday" para encarte do CD novo.
Presume-se que o "Mail" tenha pago a Prince algo comparável ao que ele poderia ter ganho, em mais tempo, com as vendas do CD. Os britânicos o recompensaram de outras formas. Em agosto, Prince começará uma série de concertos no O2 (o antigo Domo do Milênio), em Londres, com ingressos esgotados (para 20 mil pessoas). Com o preço relativamente baixo de 31,21 libras (cerca de R$ 120), o ingresso dá direito a uma cópia do CD. Prince fez o mesmo na turnê de "Musicology", em 2004. Os discos vendidos foram contabilizados nas paradas pop, mas agora mudaram as regras e "Planet Earth" não será contabilizado.

Levar música ao público
A prioridade de Prince é levar música ao público, quer seja comprada ou não. "O único objetivo de Prince é levar sua música diretamente às pessoas que querem ouvi-la", disse seu porta-voz ao anunciar que o "Mail" encartaria o CD (após o anúncio, a Sony Music, empresa mãe da Columbia Records, optou por não lançar "Planet Earth" para vendas no varejo no Reino Unido).
É assim que opera a maioria dos popstars hoje: como empresas que recebem renda por publicações, turnês, merchandising, publicidade, toques de celular, moda, shows de rádio por satélite ou qualquer outra coisa que seus anunciantes imaginem. São raros os que só fazem shows e gravam. A lógica mais comum é que ouvir uma canção do U2 num comercial de iPod, por exemplo, desperte nos ouvintes o interesse pelos CDs que os artistas da banda venham a lançar no futuro.
Mas Prince é diferente. Sua maneira de trabalhar não tem nada a ver com escassez. No estúdio, vive em meio a uma enxurrada de novas canções, enquanto outras, velhas e inéditas, lotam o arquivo que ele chama de The Vault (a caixa forte). Ao que parece, precisa se conter para lançar só um álbum por ano. Na estrada, costuma fazer jam sessions que se estendem pela noite. Não deixa de ser útil o fato de que, aos 49, ainda aja como sex symbol e tenha shows imprevisíveis.
Ao longo de tudo isso, ele visa sempre produzir singles de sucesso. Mergulhou em vários tipos de música, mas fica claro que sua forma favorita é a melodia pop de quatro minutos de duração e cheia de ganchos. Suas opções não se baseiam na idéia de arrancar o retorno máximo de poucas canções, e sim de deixar a música fluir.
Quanto ele ganha é um segredo guardado a sete chaves. Ele não depende dos royalties sobre vendas de álbuns no varejo, depois de filtrados pelos procedimentos de contabilidade das grandes gravadoras. Em lugar disso, alguém - um patrocinador, um jornal, um promoter- lhe paga antecipadamente, o que torna as vendas de discos menos importantes. Não significa que estas estejam mal: "3121" vendeu cerca de 520 mil cópias, e "Musicology", entregue gratuitamente ao público nos shows, estourou.
Prince encerrou um contrato de duas décadas com a Warner Brothers Records em 1996, após se desentender com a gravadora. Nos anos 90, apareceu com a palavra "slave" (escravo) pintada no rosto e disse que a gravadora estava retendo materiais que ele queria lançar. Por um tempo, abandonou o nome Prince -que estava ligado contratualmente à Warner- em favor de uma sigla impronunciável. Quando a vigência dos contratos terminou, voltou a ser Prince. Desde que deixou a Warner, tem sido independente. É dono de suas próprias gravações, começando com o conjunto de três CDs "Emancipation", de 1996.
Prince vem lançando álbuns por seu selo, NPG, e seu site (3121.com) costuma ter uma ou outra gravação rara a ser descarregada ou vista em video. Ou então ele licencia os álbuns individualmente para distribuição por grandes selos, deixando que estes concorram por cada título. Em dez anos, teve álbuns pela EMI, Arista, Universal e Sony. A idéia por trás dos contratos de vigência longa é que a gravadora invista na carreira do artista. Mas Prince é um astro de primeira grandeza desde os anos 1980. O trabalho que cabe a um selo é levar seus CDs às lojas.

Retrô
"Planet Earth" é um álbum bom, mas não excepcional. Diferentemente de "3121", que construiu muitas faixas em torno de sons eletrônicos programados, "Planet Earth" soa em parte feito à mão, até mesmo retrô. "Nesta era digital, você pode simplesmente me mandar um torpedo", canta Prince em "Somewhere Here on Earth", uma balada lenta cantada em falsete. "Sei que a onda é essa, mas isso não mexe comigo como faz um cara-a-cara."
Como de costume, Prince, no estúdio, é uma banda inteira feita de um homem só -bateria, teclado, guitarra, vocais- à qual se juntam aqui e ali uma seção de metais ou uma voz feminina. Desta vez, tende mais ao rock que ao funk. Canções sérias iniciam e encerram o álbum. Ele começa com "Planet Earth", um hino ambiental sério com piano e base orquestral, e termina com o religioso "Lion of Judah" e "Resolution", uma canção antiguerra. Entre o início e o fim, flerta muito, fazendo-se de difícil com "Guitar" ("Te amo, baby, mas não do mesmo jeito como amo minha guitarra"), e prometendo prazeres sensuais na otimista "One U Wanna C" e na lenta "Mr. Goodnight". Há também uma canção contagiante e amalucada sobre uma modelo, "Chelsea Rodgers", que é ao mesmo tempo festeira e erudita; Prince canta que ela sabe sobre como "Roma se acabava em Cartago em 33 a.C.".


Tradução de CLARA ALLAIN


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