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MÚSICA
"Multiplataforma", Prince se recria como popstar
Em sua terceira década de carreira, músico lança CD "Planet Earth" de graça em jornal
Fenômeno de vendas, artista é disputado por gravadoras e dá álbuns de graça em shows, que podem acontecer sem aviso prévio
JON PARELES
DO "NEW YORK TIMES"
"Tenho muito dinheiro!", felicita-se Prince em "The One U
Wanna C", de seu novo álbum,
"Planet Earth" (Columbia).
Não há razão para não acreditar. Com um patrocínio aqui e
um show exclusivo ali, participações em TV no mundo todo e
música distribuída de graça,
Prince se refez como popstar
do século 21. Enquanto gravadoras choram o encolhimento
do mercado, ele comprova que
carisma e disposição ainda são
vendáveis, tornando-se um artista "multiplataforma".
Prince causou estranheza
por distribuir o álbum gratuitamente, encartado num jornal
britânico -uma das muitas
maneiras pelas quais vem mostrando que encara o negócio da
música de um modo diferente.
Embora tenha recusado um
pedido de entrevista sobre
"Planet Earth", Prince anda altamente visível. Sua carreira já
adentra a terceira década, e ele
poderia ter se tornado saudosista. Em vez disso, decidiu o
que quer da indústria musical
do século 21, e o que quer é mais
música. Apesar de seu guarda-roupa bombástico e da sua fixação pela cor púrpura, suas escolhas profissionais vêm sendo
inteligentes, especialmente em
se tratando de um artista tão
compulsivamente prolífico.
Como a maioria dos popstars, Prince faz turnês grandes
para coincidir com seus lançamentos. Mas também sai por aí
e se apresenta sempre que
quer. Em 2006, invadiu um clube de Las Vegas e o rebatizou de
3121, nome de seu álbum que
gerou teorias conflitantes sobre o significado do número.
Passou a cantar no clube duas
vezes por semana, para 900
pessoas, a US$ 125 o ingresso.
Em fevereiro, milhões de pessoas viram sua apresentação no
intervalo do Super Bowl.
Enquanto isso, a operadora
Verizon inseriu Prince em comerciais que usam "Guitar",
outra canção de "Planet Earth",
como isca para um de seus serviços, oferecendo download
gratuito para celulares. Neste
mês, Prince lançou o perfume
3121 com um show na Macy's
de Minneapolis. No Reino Unido, enfureceu varejistas ao fechar um acordo com o jornal
"The Mail on Sunday" para encarte do CD novo.
Presume-se que o "Mail" tenha pago a Prince algo comparável ao que ele poderia ter ganho, em mais tempo, com as
vendas do CD. Os britânicos o
recompensaram de outras formas. Em agosto, Prince começará uma série de concertos no
O2 (o antigo Domo do Milênio),
em Londres, com ingressos esgotados (para 20 mil pessoas).
Com o preço relativamente baixo de 31,21 libras (cerca de R$
120), o ingresso dá direito a
uma cópia do CD. Prince fez o
mesmo na turnê de "Musicology", em 2004. Os discos vendidos foram contabilizados nas
paradas pop, mas agora mudaram as regras e "Planet Earth"
não será contabilizado.
Levar música ao público
A prioridade de Prince é levar
música ao público, quer seja
comprada ou não. "O único objetivo de Prince é levar sua música diretamente às pessoas
que querem ouvi-la", disse seu
porta-voz ao anunciar que o
"Mail" encartaria o CD (após o
anúncio, a Sony Music, empresa mãe da Columbia Records,
optou por não lançar "Planet
Earth" para vendas no varejo
no Reino Unido).
É assim que opera a maioria
dos popstars hoje: como empresas que recebem renda por
publicações, turnês, merchandising, publicidade, toques de
celular, moda, shows de rádio
por satélite ou qualquer outra
coisa que seus anunciantes
imaginem. São raros os que só
fazem shows e gravam. A lógica
mais comum é que ouvir uma
canção do U2 num comercial
de iPod, por exemplo, desperte
nos ouvintes o interesse pelos
CDs que os artistas da banda
venham a lançar no futuro.
Mas Prince é diferente. Sua
maneira de trabalhar não tem
nada a ver com escassez. No estúdio, vive em meio a uma enxurrada de novas canções, enquanto outras, velhas e inéditas, lotam o arquivo que ele
chama de The Vault (a caixa
forte). Ao que parece, precisa se
conter para lançar só um álbum
por ano. Na estrada, costuma
fazer jam sessions que se estendem pela noite. Não deixa de
ser útil o fato de que, aos 49,
ainda aja como sex symbol e tenha shows imprevisíveis.
Ao longo de tudo isso, ele visa
sempre produzir singles de sucesso. Mergulhou em vários tipos de música, mas fica claro
que sua forma favorita é a melodia pop de quatro minutos de
duração e cheia de ganchos.
Suas opções não se baseiam na
idéia de arrancar o retorno máximo de poucas canções, e sim
de deixar a música fluir.
Quanto ele ganha é um segredo guardado a sete chaves. Ele
não depende dos royalties sobre vendas de álbuns no varejo,
depois de filtrados pelos procedimentos de contabilidade das
grandes gravadoras. Em lugar
disso, alguém - um patrocinador, um jornal, um promoter-
lhe paga antecipadamente, o
que torna as vendas de discos
menos importantes. Não significa que estas estejam mal:
"3121" vendeu cerca de 520 mil
cópias, e "Musicology", entregue gratuitamente ao público
nos shows, estourou.
Prince encerrou um contrato
de duas décadas com a Warner
Brothers Records em 1996,
após se desentender com a gravadora. Nos anos 90, apareceu
com a palavra "slave" (escravo)
pintada no rosto e disse que a
gravadora estava retendo materiais que ele queria lançar.
Por um tempo, abandonou o
nome Prince -que estava ligado contratualmente à Warner- em favor de uma sigla impronunciável. Quando a vigência dos contratos terminou,
voltou a ser Prince. Desde que
deixou a Warner, tem sido independente. É dono de suas
próprias gravações, começando
com o conjunto de três CDs
"Emancipation", de 1996.
Prince vem lançando álbuns
por seu selo, NPG, e seu site
(3121.com) costuma ter uma
ou outra gravação rara a ser
descarregada ou vista em video. Ou então ele licencia os álbuns individualmente para distribuição por grandes selos,
deixando que estes concorram
por cada título. Em dez anos,
teve álbuns pela EMI, Arista,
Universal e Sony. A idéia por
trás dos contratos de vigência
longa é que a gravadora invista
na carreira do artista. Mas
Prince é um astro de primeira
grandeza desde os anos 1980. O
trabalho que cabe a um selo é
levar seus CDs às lojas.
Retrô
"Planet Earth" é um álbum
bom, mas não excepcional. Diferentemente de "3121", que
construiu muitas faixas em torno de sons eletrônicos programados, "Planet Earth" soa em
parte feito à mão, até mesmo
retrô. "Nesta era digital, você
pode simplesmente me mandar um torpedo", canta Prince
em "Somewhere Here on
Earth", uma balada lenta cantada em falsete. "Sei que a onda
é essa, mas isso não mexe comigo como faz um cara-a-cara."
Como de costume, Prince, no
estúdio, é uma banda inteira
feita de um homem só -bateria, teclado, guitarra, vocais- à
qual se juntam aqui e ali uma
seção de metais ou uma voz feminina. Desta vez, tende mais
ao rock que ao funk. Canções
sérias iniciam e encerram o álbum. Ele começa com "Planet
Earth", um hino ambiental sério com piano e base orquestral, e termina com o religioso
"Lion of Judah" e "Resolution",
uma canção antiguerra. Entre o
início e o fim, flerta muito, fazendo-se de difícil com "Guitar" ("Te amo, baby, mas não do
mesmo jeito como amo minha
guitarra"), e prometendo prazeres sensuais na otimista
"One U Wanna C" e na lenta
"Mr. Goodnight". Há também
uma canção contagiante e amalucada sobre uma modelo,
"Chelsea Rodgers", que é ao
mesmo tempo festeira e erudita; Prince canta que ela sabe sobre como "Roma se acabava em
Cartago em 33 a.C.".
Tradução de CLARA ALLAIN
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