São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Outra opinião/"Batman - O Cavaleiro das Trevas"

Realista e extremamente sério, "Batman" cai na redundância

Nolan cria jogo em que fantástico e real se fundem e resultam em filme-discurso

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

A grande expectativa em torno da estréia de "Batman - O Cavaleiro das Trevas" tornou quase impossível uma apreciação do filme fora de seu contexto de lançamento. A mais bem-sucedida campanha de marketing dos últimos tempos chegou perto do ideal de Hollywood: transformar o próprio filme em um mito, como seu personagem. Nos dois lados -"dentro" e "fora" da tela-, fabricou-se um jogo de espelhos em que fantástico e real formaram uma só realidade, com uma triste contribuição do acaso (a morte de Heath Ledger, seguida pela insistência em relacioná-la ao seu personagem, o vilão Coringa). De certa forma, o Batman de Christopher Nolan é o oposto absoluto daquele imaginado por Tim Burton em "Batman" (1989) e "Batman Returns" (1992). Se Burton confiava na ilusão e na necessidade da ironia como antídoto para pretensões alegóricas, Nolan apostou suas fichas no realismo e na seriedade extrema. O slogan do filme, retirado de uma frase de Coringa, se impõe como a pergunta que deve ser feita ao diretor Christopher Nolan: "Why so serious???" (por que tanta seriedade???). Em "O Cavaleiro das Trevas", aquela antiga noção de que o filme fantástico e a ficção científica são reflexos de questões de nosso tempo ganhou um grau de autoconsciência nunca visto. Talvez o problema não seja a autoconsciência em si, mas sua transformação em auto-importância.

Filme-discurso
Apesar das boas seqüências de ação, que de fato representam um imenso avanço em relação a "Batman Begins", "O Cavaleiro das Trevas" é um filme-discurso, reiterativo, em que os personagens fazem questão de explicar seu papel. O próprio Coringa é cheio de frases que descrevem sua função dramática. Vê-se, nele, uma encarnação do caos, uma espécie de soma de todos os medos dos EUA pós-11 de Setembro. Além do evidente caráter alegórico de Batman, a necessidade de realismo só reforça a redundância. A hoje obrigatória exposição de produtos e engenhocas tecnológicas nos blockbusters hollywoodianos (que, neste caso, vão de telefones celulares a automóveis e armas com alto poder de destruição) é exaustiva em "Cavaleiro das Trevas" -e as funções desses objetos serão explicadas detalhadamente. O personagem que cumpre esse doloroso papel é Lucius Fox, braço-direito de Bruce Wayne, interpretado por Morgan Freeman. A materialização do caráter filosófico de "Cavaleiro das Trevas" se dá em casos que obrigam Batman e seus aliados a tomarem decisões de abalar a moral de qualquer um -e que, supostamente, levariam o espectador à reflexão. Mas Coringa revela-se uma espécie de roteirista do "Você Decide", criando desfechos francamente demagógicos, como aquele com duas barcas recheadas de explosivos, uma com presidiários, outra com cidadãos de bem. É curioso notar, ainda, como as idéias contidas em "Cavaleiro das Trevas" (a brutalização do crime e a irrupção do mal como elemento caótico, na forma de um personagem psicopata) já foram trabalhadas em um outro filme lançado neste ano no Brasil. "Onde os Fracos Não Têm Vez", com seu vilão que decide o destino das pessoas com uma moeda, talvez seja o "Cavaleiro das Trevas" com que Chris Nolan havia sonhado -mas que, para azar seu, já havia sido sonhado com mais potência pelos irmãos Coen.

BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS

Produção: EUA, 2008
Direção: Christopher Nolan
Com: Heath Ledger, Christian Bale
Onde: em cartaz nos cines Eldorado, Bristol e circuito
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos
Avaliação: regular

NA INTERNET
cantodoinacio.blogspot.com
Para Inácio Araujo, novo "Batman" é reacionário



Texto Anterior: Miklos espanta o seu "lado bichos escrotos"
Próximo Texto: Para Starling, Nolan "acertou em cheio"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.