São Paulo, segunda-feira, 27 de julho de 2009

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Refavela

Jovens de comunidades do Rio fazem filme de episódios inspirado em "Cinco Vezes Favela", marco do cinema novo

Pedro Carrilho - 16.jul.09/Folha Imagem
Filmagens de ‘Cinco Vezes Favela, Agora por Nós Mesmos’, no Vidigal, no Rio

AUDREY FURLANETO
DA SUCURSAL DO RIO

Cacá Diegues está sentado num beco do morro do Vidigal, na zona sul do Rio. O cineasta não pode apontar a câmera para muito longe dali. No fim do beco onde está o set de "Cinco Vezes Favela, Agora por Nós Mesmos", garotos armados com fuzis olham a filmagem, mas não podem aparecer.
É parte do acordo verbal da equipe do filme com o "movimento" (lideranças do tráfico) para levar adiante o projeto do longa: cinco episódios de 20 minutos dirigidos por moradores de cinco favelas do Rio (Vidigal, Maré, Cidade de Deus, Parada de Lucas e comunidades da linha Amarela).
A ideia é antiga. Em 1961, Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Marcos Farias e Miguel Borges fizeram "Cinco Vezes Favela", única incursão cinematográfica concluída do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes).
O longa da década de 60 tem cenas de perseguição a moradores da favela, um ambiente que mais lembra a área rural, o medo e a violência da diferença de classes -bem distante dos fuzis que hoje cercam um dos sets do novo filme.

Infância refletida
Lá, no morro do Vidigal, a diretora Luciana Bezerra, moradora da favela, filma para o episódio "Acende a Luz" uma cena que viu na infância: moradores gritam com um funcionário da companhia de energia para que haja luz na véspera do Natal.
"Eu sou cria desse beco", diz Luciana. Ao lado dela e da grua gigante que aponta a câmera para o alto do poste, um "fogueteiro" observa tudo -o garoto olha a entrada do morro para avisar aos líderes do tráfico sobre a chegada de policiais.
Já no filme de 1961, o episódio "Couro de Gato", de Joaquim Pedro de Andrade, mostra uma criança que rouba gatos e vende a quem usa seu couro em tamborins, enquanto Diegues retrata um casal em que o marido é da escola de samba, e a mulher, sindicalista.
"Cinco Vezes Favela" é considerado um dos fundadores do cinema novo, e Diegues diz que quer repetir o feito agora. Para ele, a versão "por nós mesmos", pode contribuir "para a evolução do cinema brasileiro, no sentido de ter novos modos de fazer, novos temas, novas formas de ver o cinema".

"Filmes de favela"
O que era novo em 1961, no entanto, talvez não seja mais. Na época, o único filme a mostrar a favela era "Rio 40 Graus", de Nelson Pereira dos Santos. Agora, há até rótulo para títulos que retratam o morro, os "filmes de favela", figuras fáceis no cinema nacional desde "Cidade de Deus" (2002).
Mas o novo "Cinco Vezes", para Diegues, "não pode ser tomado como uma contestação do que já foi feito sobre favela". "É a afirmação de uma nova visão." Com orçamento de R$ 4 milhões, se o projeto vingar, diz ele, "a favela será porta-voz de si mesma pela primeira vez".
O filme, que entra nas últimas semanas de filmagem no Rio, começou em 2007 com oficinas de roteiro nas favelas, com mais de 200 moradores. Eles votaram os argumentos e criaram os roteiros.

Apoio de ONGs
Houve, é claro, o apoio de ONGs que já fazem trabalhos nas favelas, como o Nós do Morro e o AfroReggae, para escolher alunos e "dialogar" com o tráfico a fim de ter autorização para as filmagens.
Se em 1961 a escola de samba e o conflito de classes surgiam de forma predominante, os roteiros atuais expõem a luta entre os morros e suas facções, o tráfico e a falta de dinheiro (leia as sinopses ao lado).
O papel de Diegues -cineasta de "Bye Bye Brasil" (1980), "Orfeu" (1998) e "Deus É Brasileiro" (2003), entre outros- é "coordenar e emprestar nome" ao projeto para entrar no mercado. Para ele, o cinema feito pela favela já existe "de forma talentosa", mas "os filmes ficam entre eles".
Com coprodução da Riofilme e da Globofilmes, produtora que banca sucessos como "Se Eu Fosse Você", de Daniel Filho, o objetivo é trazer "uma forma de cultura que estava na margem para o centro".
"É uma invasão do sistema, e o que eu chamo de sistema é uma espécie de trem da economia que leva esses filmes para o maior número possível de plataformas: na televisão, no cinema, em DVD e tudo o que tiver", completa Diegues.


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