São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Aprendizes de luxo

Um grupo de estudantes de gestão do luxo tem aula prática nos Jardins, aprende que é necessário colocar "as falas nas bocas certas" e que, no marketing, "tudo é feito para parecer absolutamente natural"

André Porto/Folha Imagem
Palestra sobre luxo na Dior; Paris fica "de cabelo em pé" com peculiaridades brasileiras como venda em dez prestações


A iluminação da loja Dior da rua Haddock Lobo costuma sobrecarregar a rede elétrica e eventualmente causa pane no ar-condicionado, mas que importância tem isso, se ela deixa as roupas muito mais bonitas?
 

"O "ar" às vezes quebra, mas olha que luz incrível", diz a superintendente da marca no Brasil, Rosângela Lyra, 41, conhecida também como "a sogra do Kaká", jogador da seleção. Rosângela é a primeira a receber os alunos de um curso de gestão do luxo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Depois de quatro meses de aulas, eles estão se formando e saíram às ruas dos Jardins para uma "aula prática" em cinco lojas de grife. Foram acompanhados por três professores, dois monitores, 11 (é isso mesmo, 11!) assessores de imprensa -e pelo repórter Paulo Sampaio.
 

O trecho percorrido é o oitavo ponto comercial mais importante do mundo, segundo a Mistery Shopping Provide Association, que elege ruas recordistas em vendas no planeta. Somente aos sábados, dia do tour, Oscar Freire e arredores são visitados por 20 mil.
 

Morena, bem-tratada, vestida de Dior da cabeça aos pés, "inclusive a calcinha", Rosângela garante que não sente vontade de usar outra grife. "Por que usaria, se a Dior me dá tudo o que eu gosto?", diz Rosângela, como se a marca fosse um marido generoso a quem faz questão de ser fiel. São 10h de um sábado ensolarado e ela está ali, falando bem do "marido". Os formandos logo aprendem que, sem divulgação, inclusive daquela aula, não existe luxo. "É preciso colocar as falas nas bocas certas e avaliar o quanto isso vai agregar ao produto em termos de status", diz o professor Ismael Rocha. Por exemplo, se a Kate Moss elogia um Armani, ponto positivo. Se for Pamela Anderson, nem tanto.
 

Na megastore da Melissa, a vendedora sansei Tatiana Nakamura, 20, tem os cabelos pintados de louro claro, o vestido colocado de trás pra frente, "camisa Alexandre" e calça Zara. Ela explica que se vestiu correndo: "Minha casa está em reforma, nem tive tempo de escolher a roupa no armário". "Tudo no marketing é feito para parecer absolutamente natural", diz o professor Rocha.
 

Tatiana, "sem querer", está preparada para vender sandalinhas inspiradas na "cadeira "Favela", dos Irmãos Campana". Para quem ainda não aderiu à estética do barraco, ela oferece um modelo coberto de cristais Swarovski (R$ 500). O grupo segue em frente. Giorgio Armani, Louis Vuitton, Chocolat du Jour, flagship store da Adidas.
 

Termos em inglês pipocam aqui e ali, já que... bem, os publicitários se entendem melhor assim. "Eu sou "trade" da marca", diz a anfitriã da Adidas, Natália Sinato. Trade? "Lido com o "merchandising"...". Na caminhada, o assessor de imprensa dos lojistas, Marcelo Escobar, solta o cartucho: "Estão terminando de instalar no subterrâneo da rua transformadores de última geração; depois, vão remover postes e fios, e começar a reforma do mobiliário urbano e calçamento. Você vai babar quando estiver pronto".
 

Na Giorgio Armani, o grupo é recebido com petit-fours, suco de uva. "Eu vou estar falando pra vocês sobre a trajetória da marca, as coleções, a arquitetura das lojas...", começa o programador visual Marcelo Manzini, 40. Cabelos grisalhos em corte escovinha, paletó marinho, camisa branca, jeans desbotado, sapatênis, ele é uma espécie de clone do próprio Armani. Caminhando de arara em arara, Manzini explica que existe uma linha "luxo do luxo" de vestidos exclusivos que a cliente pode escolher em um catálogo. "Milão verifica se ninguém no mundo encomendou a mesma peça, e a cliente vai até lá para que façam a modelagem no arame...". Vai até Milão? "Ela tem de provar a peça", responde alguém do staff da loja - como se Milão fosse o Butantã.
 

No fundão da "classe", uma aluna folheia o mostruário dos vestidos de luxo -um caderno tipo escolar de capa dura de 23 cm x 15 cm. "Mas esse catálogo é muito mixo. Eles não podem mostrar isso para uma Madonna da vida...", cochicha.
 

Manzini, da Armani, e Rosângela, da Dior, referem-se a Milão e Paris como se fossem pessoas: "A mínima alteração que a gente pretenda fazer na fachada da loja tem que ser comunicada a Milão", diz ele. "Quando dizemos que no Brasil é preciso aceitar o pagamento em dez vezes no cartão, Paris fica de cabelo em pé, mas entende", diz ela.
 

O grupo agora está na Louis Vuitton, onde bolsas custam de R$ 795 a mais de R$ 20 mil. Na loja, até o palestrante é importado. "Não tenho um bom português, peço a vocês paciência para me entender", afirma o italiano Cristiano Ferrario antes de explicar que a história da grife começa em 1896. Um aluno se adianta: "No fim do século 19, quando o mundo estava descobrindo novos lugares, a Vuitton vendia bolsas usando o marketing do "plaisir de découvrir et de voyager"...". "Ih, esse aí tá contratado", sussurra uma das monitoras. O aluno é o sociólogo Edson Lopes, 25, franja lisa para um lado só, camiseta Fause Haten, calça Cavalera, tênis All Star. "Quando o Titanic afundou, os únicos sobreviventes foram os baús Vuitton."
 

Cafezinho na Chocolat du Jour. A classe interage: "Decidi fazer o curso quando vi em um outdoor um cachorro em um ofurô, como os dizeres: "Veja o mundo com outros olhos". Aquilo me fez pensar...", diz a comerciante Adriana Sala, 39. "Tô achando o tour bárbaro, superimportante em todos os sentidos. Uma coisa é entrar na loja para consumir, outra é entender o marketing", diz Sônia Campos, na "casa dos 30". É consumidora? "Gosto de qualidade, não necessariamente de grife", explica, com uma bolsa Marc Jacobs, caneta Montblanc no bolso, óculos D&G.
 

Cinco horas depois do início da aula, os alunos, impregnados de luxo, são liberados -mas a imprensa, não. "Espera um pouco, quero dar uma palavrinha com você", dizem os assessores, em diferentes momentos. O motorista chega. Como não há vaga na rua engarrafada, a reportagem é obrigada a embarcar à francesa. Fim do tour.


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