São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

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Crítica/"Chappaqua", "Kerouac" e "Burroughs"

Filmes revivem geração beat entre o culto e a redundância

ALEXANDRE MATIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Houve um tempo em que qualquer informação adicional sobre ícones da cultura alternativa era tratada como ouro, principalmente aqui no Brasil. Antes da vinda da internet, imagens em movimento ou trechos de entrevistas de quem fosse já era suficiente para reunir fãs em audiências ritualescas.
Passado recente, este tempo já era. Hoje, arquivos digitalizados e conexões de banda larga garantem o rápido acesso a imagens corriqueiras de nomes consagrados, aparições na TV se espalham pelo YouTube, biografias entopem as bancas de revista etc etc. Por isso, o lançamento de dois DVDs perdem parte de seu impacto justamente por seu maior mérito ser a presença eletrônica da santíssima trindade da geração beat: Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs.
O pacote conta com a primeira aparição em DVD do filme "Chappaqua", de Conrad Rooks (Leão de Prata no Festival de Veneza de 1966), e com os documentários "Kerouac: O Rei dos Beats", de John Antonelli, e "Burroughs: Poeta do Submundo", de Klaus Maeck.
"Chappaqua" é um exemplo do cinema experimental dos anos 60 que ficaram redundantes com o advento do vídeo digital -qualquer criança de hoje realiza filmes como os daquele período (ao menos, em termos técnicos). Por trás da obra, temos o empolgado Rooks que resolve usar o cinema como terapia e contar sua história para o mundo.
Sai-se exatamente na média, colidindo todos os clichês do cinema alternativo da época com delírios enfadonhos. O perfil autobiográfico fala de seu próprio processo de desintoxicação de drogas e mostra que Rooks estava em dia com a modernidade da época -daí a presença de Ginsberg (chato, como sempre) e Burroughs (genial, como sempre).
Como cinema, "Chappaqua" é quase uma bad trip, fundindo experimentalismo barato com idéias pueris. Por outro lado, funciona quase como um documentário de uma época em que não era preciso fazer muito sentido para ser aceito. Bons tempos, de fato.
Já os documentários martelam no prego e no dedo, cada um deles. O de Kerouac é correto e bem realizado. Cuidadoso, John Antonelli entrevista pessoas diretamente envolvidas com o autor e traça um retrato didático do papel de Kerouac na literatura americana e no pop mundial.
Mas o de William Burroughs, por mais triste que possa parecer, é pífio. Gira em torno de uma leitura feita pelo autor em 1991 e uma entrevista transbordando obviedade por parte do entrevistador. Opta por ser não-linear e se perde no meio do caminho, com o entrevistador Jürgen Ploog mais interessado em ver o autor repetir suas máximas ("a linguagem é um vírus") do que travar alguma tentativa de diálogo com o autor. Uma pena: mesmo com momentos de brilho proporcionado pelas leituras entusiasmadas feitas pelo velho Bill, o documentário não chega nem a cutucar a curiosidade dos leigos ou a fazer os iniciados suspirarem -no máximo, de tédio.


CHAPPAQUA: ALMAS ENTORPECIDAS   
Distribuição:
Magnus Opus (R$ 39)

KEROUAC: O REI DOS BEATS e BURROUGHS: POETA DO SUBMUNDO   
Distribuição:
Magnus Opus (R$ 78,50)


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