São Paulo, quinta-feira, 27 de agosto de 2009

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Os rouanetes

Quem são, o que pensam e como trabalham os 21 encarregados de aprovar ou negar os projetos que utilizam a lei federal de incentivo à cultura

Sergio Lima/Folha Imagem
Mesa da Comissão nacional de Incentivo à Cultura, que analisa
os projetos da Lei Rouanet


ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Entre pilhas de pastas brancas, os olhares, compenetrados, movimentam-se entre a tela de computador e os papéis. Muitos papéis. Mesmo quando se levantam para pegar um café, os conselheiros da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, a Cnic, costumam levar nas mãos alguma das pastas. "Nem conto quantos projetos tenho para analisar. Se contar, fico desesperada", diz, entre risonha e assustada, Rosiclair Temperani, nascida e criada no circo, atualmente integrante do grupo que, em 2008, foi responsável pela aprovação de projetos que movimentaram cerca de R$ 1 bilhão pela Lei Rouanet.
A Cnic, criada com a lei, há 18 anos, tem a função de avaliar tecnicamente os pedidos de concessão de incentivo fiscal. Durante muito tempo, esteve à sombra. Mas, conforme foram esquentando os debates em torno do tema, também a Cnic passou a ver holofotes voltados em sua direção. Sempre que se fala de um projeto aprovado ou recusado pelo governo federal está se falando, na prática, de uma ação da Cnic.
E quem são os detentores das canetas do sim e do não? A reportagem da Folha foi a uma reunião, em Brasília, para conhecer os rostos, as opiniões e a rotina dos 21 conselheiros indicados por entidades da sociedade civil, que trabalham de forma voluntária. "Somos pessoas normais querendo acertar", resume o maestro Amilson Godoy.
Barba branca, rabo de cavalo, o músico diz que, entre as pechas todas que recaem sobre a comissão, a que o incomoda de fato é a de censor. "Estamos aqui para aprovar os projetos. Queremos ajudar a produção, não atrapalhar."
Não há conselheiro que não tenha ressaltado, nas entrevistas, seu espírito público. "Você me olha como se perguntasse: "O que leva um sujeito normal a aceitar um negócio destes?'", adivinha o engenheiro agrônomo e produtor de tevê Luiz Alberto Cesar. "Não dá prestígio, não dá dinheiro. É por um ideal. Me sinto trabalhando para o cidadão, não para o poder de plantão. Mas a Cnic é consultiva. A decisão final é do ministro. Nossas decisões valem até a página três."
Explique-se. A despeito de mais de 90% dos casos serem decididos, de fato, pela comissão, alguns dos projetos -sobretudo os que envolvem estrelas- tiveram o destino resolvido pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira. Vieram a público os casos de Caetano Veloso e de Maria Bethânia, vetados pela comissão e aprovados por Ferreira. Alguns conselheiros (que não quiseram se identificar) disseram que, no caso de Bethânia, cogitaram abster-se na segunda votação -pós-intervenção, acompanhada de redução nos ingressos.
"A lei permite que esses artistas tenham patrocínio, mas, pessoalmente, preferia que fosse usada por iniciantes", pondera Godoy. A designer Fernanda Martins, encarregada da área de artes visuais, é incisiva: "Acho que todo projeto 100% incentivado tinha que ser gratuito. Não tem sentido chamar R$ 60 de preço popular".
Questionada sobre a possível frustração de passar dois dias recobertas por papeis e ver, depois, a decisão revogada, Martins diz que a frustração, se existe, está em outro lugar. "Frustrante é saber que as pessoas nem imaginam o que é nosso trabalho. Não somos funcionários públicos. Deixamos nossos empregos, dois dias por mês, para estar aqui. Nosso papel é representar a sociedade, mas a sociedade nem imagina isso."


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