São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2011

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VISÃO JUDAICA

Obra é panfleto acadêmico com proposta radical

Autor dá base para a criação de um Estado binacional no lugar de Israel

ARIEL FINGUERMAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Até a Idade Média, o judeu (assim como o cristão) sabia muito bem o que era: membro de uma comunidade definida por uma religião. Nascia, vivia e morria sem vontade ou possibilidade de mudar sua identidade.
Com a Idade Moderna, isso mudou. O processo de urbanização quebrou as estruturas comunitárias tradicionais, a Revolução Industrial transformou todos em consumidores, o Iluminismo deu a base filosófica de direitos iguais e a Revolução Francesa colocou tudo isso em ação.
O resultado para os judeus, e isso até os dias de hoje, é que uma boa parte desse povo, especialmente aqueles que deixaram as muralhas fechadas da ortodoxia, não sabe muito bem o que é. Membro de uma religião, mesmo levando em conta que raramente vai a uma sinagoga?
Parte integral do país onde vive, se bem que nem sempre reconhecido como tal por seus compatriotas? Até mesmo os nazistas, quando resolveram assassinar os judeus, tiveram dificuldade em defini-los. "Eu decido quem é judeu", dizia Göring.
Segundo a lei ortodoxa judaica, a religião é transmitida pela mãe. Para os reformistas, a maior sinagoga dos EUA, pode ser pelo pai. Em Israel, há mais de 60 anos se discute o assunto no Parlamento e na Suprema Corte, sem uma conclusão.
Uma das mais recentes reflexões dessa área é "A Invenção do Povo Judeu", de Shlomo Sand. Trata-se de uma obra acadêmico-panfletária, que causou algum frisson em Israel e na Europa.
Como livro acadêmico, traz uma proposta interessante, definindo o judeu pelo que ele não é: uma raça pura, descendente dos heróis bíblicos.
Sand mostra que em diferentes períodos históricos, especialmente na época de Jesus, os judeus fizeram proselitismo, converteram pagãos e assim desprezaram qualquer ideia de "raça pura".
Mas, em sua face panfletária, Sand quer nos convencer de que a ideia de "povo judeu" é uma mera invenção de historiadores sionistas dos últimos 150 anos, desejosos de unificar comunidades para tomar posse da Palestina.
Para ele, a Bíblia nunca foi uma base cultural comum dos judeus, mas é usada cinicamente agora como "documento de posse".
Somente nas últimas das quase 600 páginas de seu livro Sand revela o motivo de seu esforço intelectual: dar base acadêmica para a ideia de um Estado binacional israelense-palestino, que substituiria o Estado de Israel.
É uma proposta radical, que não é exigida nem pela Autoridade Palestina nem pela Liga Árabe. Como obra acadêmica, o livro de Sand soa panfletário. Mas, como panfleto, é acadêmico demais.

ARIEL FINGUERMAN é doutor em estudos do judaísmo pela USP e pela Universidade de Tel Aviv.

A INVENÇÃO DO POVO JUDEU
AVALIAÇÃO regular




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