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Lançamento da Relume Dumará reúne fotogramas do filme
'Terra Estrangeira', o livro,
serve de memória da retina
EDER CHIODETTO
Editor-adjunto de Fotografia
Uma fotografia encontrada na
capa de um livro, onde se via um
casal à deriva, encalhado numa
praia deserta como um navio
emborcado na areia, deu início à
gestação do premiado filme
"Terra Estrangeira", de Walter
Salles e Daniela Thomas.
As imagens do filme saltaram
da tela de cinema, se projetaram
sobre o papel e se transformaram num livro de 112 páginas
com 287 reproduções de fotogramas do filme.
Uma imagem estática se desprendeu do papel, ganhou velocidade e virou cinema. Agora
são as imagens em movimento
que, paralisadas, voltam a ilustrar folhas de papel.
Esse diálogo quase lúbrico entre fotografia e cinema é um dos
pontos altos de "Terra Estrangeira", filmado todo em preto-e-branco, as cores do desterro, segundo seus diretores.
O livro é uma rara oportunidade para se observar com acuidade o trabalho de enquadramento e iluminação do diretor de fotografia Walter Carvalho e de
seu assistente Eduardo Miranda.
O filme exigiu de Carvalho um
verdadeiro trabalho de engenharia fotográfica, já que as tecnologias para filmagem em preto-e-branco estão em extinção.
Como o filme era processado
na França, a equipe não tinha
como ver o copião do que havia
sido filmado, um dos rituais
mais sagrados dos diretores de
cinema.
Para aplacar a angústia e a desorientação sobre a produção,
Carvalho utilizou uma câmera
fotográfica para reproduzir algumas das cenas e ter uma idéia,
ainda que distorcida, do que estava fazendo. Mas as imagens
que compõem o livro foram extraídas de uma cópia do próprio
filme. Para quem assistiu a
"Terra Estrangeira", o livro serve para resgatar a memória.
Como diz José Avellar no prefácio do livro: "Cinema não se
reduz à imagem que passa na tela: é também o que o espectador
inventa no imaginário, como resultado da tensão entre o que viu
e o que persiste na memória".
"O livro, aqui, assim como toda conversa sobre cinema, que
se dá após uma projeção, conversa com um amigo ou conversa interior, é uma tentativa de
pegar o que resiste na retina e
somar à imagem seguinte para
seguir o movimento. É o movimento da memória".
Editado exatamente como na
sequência das cenas do filme, as
fotos do livro se transformam
num roteiro de imagens. Como
numa fotonovela não-linear, as
fotos podem ser remontadas e
recontadas, gerando outras histórias, num percurso inverso ao
dos roteiros escritos, onde as
imagens são criadas posteriormente.
Num dos melhores diálogos
do filme, o personagem Igor, interpretado por Luís Melo, diz
para Paco, o protagonista: "Está vendo essa cadeira? Isto não é
uma cadeira. Este prato aqui não
é um prato. Esta não é uma mesa. São vestígios de uma grande
aventura".
Nesse universo de espelhamentos, onde as coisas e as pessoas são a resultante das suas
imagens com suas trajetórias, as
fotos e o projeto gráfico de
"Terra Estrangeira", o livro,
são sinais, pegadas de uma história, e "Terra Estrangeira", o
filme, é o rastro deixado por
uma fotografia esmaecida, esquecida na capa de algum livro.
Livro: Terra Estrangeira
Autores: Walter Carvalho, Daniela
Thomas, Walter Salles
Lançamento: Relume Dumará
Quanto: R$ 42 (112 págs.)
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