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Compleição franzina abrigava talento gigantesco
LUÍS NASSIF
COLUNISTA DA FOLHA
Foram os que vieram do norte que determinaram o violão
brasileiro. Em geral influenciados
pela tradição árabe-ibérica, desceram para o Rio nos anos 20,
com os Turunas da Mauricéia.
Dois de seus membros reescreveriam a história do violão brasileiro: João Pernambuco, gênio
maior, e Meira, o grande mestre
do violão popular brasileiro.
Em São Paulo, um violão mais
para o erudito se consagrava por
meio de Américo Jacomino e, especialmente, do mestre uruguaio
Isaias Sávio. Mas no Rio se moldava a futura maior escola de violão do planeta.
João Pernambuco, com suas
mãos de pedreiro e unhas compridas, criou o estilo duro, com os
dedos pressionando fortemente
as cordas, trazendo os sons que
vinham das profundezas da cultura ibérica. Alguns anos depois,
o violão brasileiro sofreria a segunda revolução, com Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, trazendo um estilo mais leve, jazzístico,
mistura de influências de Debussy e do guitarrista cigano
Django Reinhardt.
A grande influência pós-anos 30
é de Reinhardt que molda toda
uma escola de guitarra de jazz.
Garoto vai beber nessa água
quando escolhe a palheta e em
Debussy quando toca com a ponta dos dedos, puxando as cordas
sem utilizar as unhas. Baden Powell é a síntese aprimorada de
ambos. Surge como filho dileto do
choro, tendo como professor
Meira. Com 14 anos, conviveu
com o grupo de violonistas da rádio Nacional Garoto, Zé Menezes,
Bola Sete. Depois, com Vinicius, é
o grande responsável pela transição da bossa nova que já encerrava o ciclo barquinho-mar-areia
-para o período que se convencionou chamar de MPB.
Esgotado o ciclo dos festivais e o
espaço aberto pela televisão, ruma para a Europa. Nos anos 70,
sua carreira atinge o auge. Passa a
se apresentar nas principais praças do mundo, consagrando um
estilo de violão inigualável. Consegue juntar o choro ao jazz,
criando um estilo marcante e único. O modo de tocar de Baden
contagiou todo o mundo violonístico da época. Do consagradíssimo Charles Bird a violonistas de
menor expressão, todos queriam
ser e tocar como Baden. Sua capacidade de improvisar, de puxar
acordes, e, ao mesmo tempo, de
tirar interpretações seresteiras,
seu estilo de composição trazendo elementos africanos, tudo contribuiu para transformá-lo na
maior expressão do violão do século. Vá lá, tem Django, mas sou
mais Baden. Em 1974, em uma
apresentação no Olympia, de Paris, chega ao seu auge. Nunca o século 20 ouviu ou ouviria algo que
sequer passasse perto, com exceção dos recitais de Django e de
Oscar Aleman no Hot Club.
Enquanto brilhava na Europa,
deixava plantadas no Brasil as sementes da terceira onda de violão
brasileira depois da onda Pernambuco e da onda Garoto. Dessas sementes, brotam Marcus Pereira e Raphael Rabello, enquanto
que Paulo Belinnati e Ulisses Rocha vão se inspirar em Garoto.
Mas nenhum deles logrou atingir o gênio de Baden, seu virtuosismo, sua sensibilidade, o talento
gigantesco abrigado em uma
compleição franzina, debilitada
por muitos anos de bebida.
Mortes dão ensejo a superestimar as virtudes do morto. Não é o
caso de Baden. O Brasil efetivamente perdeu um de seus maiores músicos de todos os tempos e,
depois de Tom Jobim, o músico
popular que levou mais longe a
inigualável arte musical brasileira.
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