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CONTARDO CALLIGARIS
Depressão e terapia
Quem está no desespero, antes de qualquer consolação, pede que sua dor seja reconhecida
UM DIA, ao acordar, um conhecido meu encontrou sua mulher morta, ao seu lado, na
cama. À dor de perder sua amada
juntou-se o choque de descobri-la já
fria e a culpa atormentada por ter
dormido na hora em que ela morria.
No velório, muitos amigos e parentes tinham as mesmas palavras
de consolação: "Ao menos, ela
não sofreu", "É o melhor jeito de
morrer...".
Outro conhecido, anos atrás, na
Flórida, perdeu sua casa e tudo o que
ela continha, num tornado. Alguns
dias depois, seus pais foram visitá-lo
e confortá-lo; enquanto ele contemplava, com eles, os escombros de sua
existência, a mãe disse: "Pelo menos
você está são e salvo". E o pai: "Ainda
bem que você tem seguro".
São exemplos de "reavaliações"
-é assim que a psicologia chama as
tentativas, diante de uma catástrofe,
de encontrar razões para suavizar o
sofrimento do sujeito.
Suspeito que, freqüentemente, as
reavaliações facilitem sobretudo a
vida de quem as sugere, ou seja, dos
amigos e parentes que não estão
muito a fim de se debruçar sobre o
desespero de quem perdeu seu
amor ou suas coisas.
Eles se saem da embaraçosa situação de oferecer pêsames graças a um
achado otimista: "Pense bem, no
horror, você teve sorte".
De fato, essas intervenções são
quase intoleráveis para os sujeitos
que elas deveriam beneficiar. Para
quem sofre, só fica uma impressão
de escárnio: os outros sequer reconhecem o tamanho de sua perda, de
seu dano e de seu luto.
Há especialistas em perdas, danos
e luto; são os psicólogos treinados
para oferecer assistência imediata
às vítimas e aos próximos das vítimas de calamidades (acidentes aéreos, desmoronamentos de túneis
do metrô, inundações etc). No Brasil, conheço o Quatro Estações
(www.4estacoes.com.br), um
instituto que treina e disponibiliza
uma rede de psicólogos capazes de
prestar assistência urgente em todo o território nacional, ou quase.
Nos EUA, a própria Cruz Vermelha
oferece um treinamento específico
que qualifica os psicólogos e psicoterapeutas que ela mobiliza em caso de catástrofe.
Pois bem, os especialistas em luto são, em princípio, unânimes:
quem está no desespero, antes de
qualquer consolação, pede que sua
perda e sua dor sejam RECONHECIDAS e só depois, eventualmente,
suavizadas.
Essa unanimidade encontrou recentemente uma espécie de confirmação experimental indireta. O
"Journal of Neuroscience" publicou, em 15 de agosto 2007, uma interessante pesquisa de Tom
Johnstone e outros.
Foram constituídos dois grupos,
um de 21 sujeitos diagnosticados
como depressivos graves e um grupo de controle de 18 sujeitos (obviamente, não depressivos). A atividade cerebral de todos os sujeitos
foi monitorada por ressonância
magnética funcional enquanto
lhes era mostrada uma série de
imagens, boa parte das quais foram
concebidas para produzir preocupação, medo, desespero e tristeza.
Os sujeitos eram também convidados a reavaliar essas imagens deprimentes, ou seja, a reinterpretá-las de maneira a suavizar ou mudar
seu impacto negativo.
Deixo de lado a complexa descrição da atividade cerebral constatada nos dois grupos durante a experiência. O que importa aqui é a
constatação final: os sujeitos deprimidos, aparentemente, tiveram a
maior dificuldade em reavaliar as
imagens negativas. Pior, a tarefa de
reavaliação que lhes era pedida parecia deprimi-los ainda mais.
É possível imaginar que esta seja
uma propriedade dos quadros depressivos: uma incapacidade de
reavaliar positivamente o que
acontece de negativo. Mas é também possível que a depressão seja
aqui apenas um fator, que torna
mais aguda a propensão ao desespero e impede de discriminar entre
imagens e eventos aflitivos.
Seja como for, a experiência confirma o que já sabíamos: quando alguém sofre, a primeira tarefa dos
próximos (e dos profissionais) não
é a de consolá-lo sugerindo reavaliações, mas a de ajudá-lo a encarar
seu sofrimento assim como ele é.
Mais uma nota: essa constatação
é também relevante na hora de administrar a necessária medicação
antidepressiva. Talvez os raros
efeitos paradoxais dos antidepressivos (o paciente que "estava muito
bem" e, de repente, tenta o suicídio) tenham a ver não com o fracasso, mas com o sucesso da medicação, que produziu uma melhora
substancial antes que o sujeito tivesse o tempo de dizer sua dor.
ccalligari@uol.com.br
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