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"JANELA INDISCRETA"
Cortinas são espelho do voyeur de Hitchcock
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há, antes de tudo, um antológico "establishing shot": o
pátio, o rosto suado de Jeff (James
Stewart), sua perna engessada, a
câmera quebrada, algumas revistas na mesa e, enfim, fotos de uma
corrida de carros que traçam, na
parede, sua própria narrativa. De
um só golpe, Hitchcock explica
toda a situação.
É o que o mestre costuma denominar de "a mais pura expressão
cinematográfica". Mas o que faz
de "Janela Indiscreta" uma obra-prima é o fato de Hitchcock acrescentar a essa pura expressão visual a mais certeira metáfora da
"condição cinematográfica".
O crítico Jean Douchet foi o primeiro a notar: Jeff é um espectador que projeta seus desejos na tela que fica atrás das cortinas de
sua janela. Daí, talvez, seu comportamento algo compulsivo. O
personagem sempre deixa suas
responsabilidades de lado, isto é,
sua noiva, para "voyeurizar" a vida dos outros, isto é, ir ao cinema.
Jeff retoma, sobretudo, com sua
perna engessada e sua zoom, as
condições do espectador de cinema: imobilidade do corpo e concentração de energia no olhar.
Condições que remontam à infância, à maturação precoce da
organização visual e à imaturidade motriz que marcam, como
lembra Jean-Louis Baudry, num
texto em que denuncia o dispositivo cinematográfico como uma
espécie de aparelho psíquico
substitutivo, a fase do espelho.
Fase em que, de frente ao espelho, a criança inicia, segundo Lacan, a constituição imaginária de
seu "eu".
E o que o voyeur de Hitchcock
vê em seu espelho? Várias situações que ilustram, no pátio em
frente, o tema e a impossibilidade
do amor. De todas elas, apenas
uma é simétrica à sua. Um casal
em crise: a mulher adoentada,
imobilizada, e o marido indo e
vindo, tal como o fotógrafo e sua
noiva. No casal em crise, Jeff projeta o crime de sua conduta, redimindo-se de sua culpa ao trocá-la,
simbolicamente, com o vizinho
criminoso (a velha "culpabilidade
intercambiável" de Hitchcock).
Em sua análise do filme, Ismail
Xavier observa que a personagem
de Grace Kelly só conquista definitivamente Jeff quando entra no
espaço do desejo do fotógrafo, isto é, na tela-espelho. Nesse sentido, como já apontava Truffaut
numa de suas entrevistas com
Hitchcock, a aliança que ela mostra de longe para o fotógrafo não é
só a prova do crime do vizinho.
Depois de vislumbrar Kelly com
a aliança em sua tela-espelho, Stewart só poderá terminar mesmo
duplamente engessado. O casamento, portanto, apenas reforçará seu voyeurismo contumaz. Voyeurismo que é o de Hitchcock e
de todos nós que amamos o cinema. Hitchcock foi o primeiro a colocar o espectador dentro do filme. De seus voyeurs descendem
todos os personagens modernos,
tipos que já não são actantes como outrora, mas videntes. Eles já
não existem no mundo senão enquanto espectadores. Se não são
crianças, guardam ao menos o espírito da infância.
(TMM)
Janela Indiscreta
Rear Window
Direção: Alfred Hitchcock
Produção: EUA, 1954
Com: James Stewart, Grace Kelly,
Wendell Corey
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes, Espaço Unibanco e Pátio
Higienópolis
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