São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2004

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CRÍTICA

Filme importa mesmo pelo que não é dito

DA REDAÇÃO

Yapeyú é um povoado pobre onde nasceu o general San Martín, líder da independência argentina. No dia do aniversário do herói, suas ruas de terra, enfeitadas com bandeiras da Argentina, se enchem. Sem dar bola para a festa cívica, um esquisito Chevrolet 58 entra na cidade levantando poeira. Uma das filhas da matriarca Emilia teve um surto de dor de dente e precisa ver um dentista. Como se pode imaginar, Yapeyú não é centro de excelência odontológica, e a mulher sai de lá com o problema resolvido, mas quase com mais dor do que quando chegou.
A seqüência é tragicômica. Tudo ali soa absurdo. A festa nacional de um povo miserável, a histeria familiar por causa de um dente, o cunhado cantando a cunhada enquanto a mulher padece no médico...
Passagens assim, com detalhes silenciosos, são o mérito de "Família Rodante" (hoje, às 15h30, DirecTV; dias 30/10, 1º/ 11, 4/11). A obsessão pela dramaticidade do não-dito, apoiada em diálogos sobre coisas comezinhas, Trapero compartilha com os conterrâneos Daniel Burman e Ezequiel Acuña.
Também como boa parte do que se produz na Argentina hoje, "Família Rodante" radiografa os efeitos da crise econômica do país na classe média. O filme exacerba essa característica, ao isolar pais e filhos dentro de um caminhão, e afastá-los da vida na cidade grande.
Tudo acontece num cenário de abandono. Diferentemente das paisagens cartão-postal de "Diários de Motocicleta", as de "Família..." são desoladas (em texto sobre o filme, o "New York Times" descreveu o local como "o Texas sem os milionários"). A saga da família culmina no tal casamento em Misiones, tendo o Brasil, visível do outro lado da fronteira, como observador não muito distante.
Se o filme acerta em imagens ricas de símbolos como essa, falha ao cair no já dito e tantas vezes repetido por essa mesma geração de cineastas sobre o que se passa com a classe média argentina. Não seria tempo de olhar para outras direções? (SYLVIA COLOMBO)


Avaliação:    


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