São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2005 |
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29ª MOSTRA DE CINEMA Do mesmo diretor de "O Invasor", "Crime Delicado" tem exibição hoje em São Paulo No 4º longa, Beto Brant espreita violência do desejo
SILVANA ARANTES DA REPORTAGEM LOCAL Entre os desafios que o cinema nacional impõe ao jornalismo, entrevistar o diretor Beto Brant, 42, não é dos menores. Você faz uma pergunta, e Brant silencia. Ou protesta: "Acho essa pergunta incompreensível"; "Tenho uma idéia clara sobre isso, mas não vou lhe dizer qual é". Fosse outra sua obra, não haveria por que insistir. Mas ocorre de ele ser o autor de "Os Matadores" (1997), "Ação entre Amigos" (1998), "O Invasor" (2002) e do inédito e excelente "Crime Delicado" (2005), que a 29ª Mostra de São Paulo exibe hoje. De resto, Brant não é contra jornalistas (aparentemente). O que ele repudia é a idéia de, ao discorrer sobre seus filmes, impor ao espectador um ponto de vista, um único modo de ver -o seu- no qual caberiam múltiplos olhares. "Gosto de um filme que não seja óbvio", diz. Óbvio "Crime Delicado" não é. A exemplo de "O Processo do Desejo" (1991), do italiano Marco Bellochio, aqui nem sequer sabemos se o crime do título (um estupro) de fato ocorreu, embora a cena da dúvida esteja impressa na tela, sem cortes. Brant filmou em preto-e-branco os trechos em que a discussão sobre o delicado crime se dá nos tribunais de Justiça e no interior da Redação de um jornal. O jornal entra na trama porque Antônio Martins (Marco Ricca), o protagonista do filme e do estupro, é crítico de teatro de um diário fictício. O chefe de Martins, com quem ele dialoga sobre redenção e culpa, é interpretado por Alberto Guzik, um dos principais nomes da crítica e dos palcos na cena real do teatro brasileiro. Por que Brant decidiu contrastar a vigorosa palheta de cores do longa com o preto-e-branco nessas cenas? "Se eu disser, vou começar a explicar o filme", escapa novamente o diretor. A (não) conversa segue em frente. Bem adiante, Brant larga uma pista relacionada à questão anterior. "Todas as cenas são noturnas. De dia, a gente filmou apenas a instituição [o tribunal e o jornal], o que enquadra." As criaturas da noite que circulam pelo longa são quase sempre amigos do diretor, que ele convidou a uma participação espontânea, sem falas roteirizadas. Os textos que brotaram do improviso, no entanto, parecem seguir à risca o fio do filme e sua investigação sobre a natureza da "bruta flor do querer". É do cineasta Cláudio Assis ("Amarelo Manga") a participação mais ruidosa, num fim de noite de bar, regado a cerveja e ciúmes. Quando desvia os olhos da mulher com quem trava seu embate amoroso, Assis mira Martins, espectador solitário da cena, e sentencia: "Você não ama. Quem não reage rasteja". Brant confessa (uma confissão, ao menos!) que não poderia esperar conclusão melhor. No mesmo bar, sob a mesma capa da noite, o ator Adriano Stuart, presente em "Os Matadores", perde o rumo e a palavra, quando a conversa não-ensaiada o conduz à tentativa de resumir sua vida. "Eu errei", diz, recuperando o texto e o prumo. Para Brant, as circunstâncias que reuniram a equipe do filme foram "seqüências de acasos iluminados". Casualmente, ele conheceu Lilian Taublib, que canta e escreve, mas não havia pensado em ser atriz. Taublib, que não possui uma das pernas, concordou em oferecer ao "Crime Delicado" seu primeiro papel no cinema, o da musa Inês, e a nudez de seu corpo. São as formas de Taublib que o pintor mexicano Felipe Ehrenberg, também casualmente agregado ao projeto, registra em telas gigantes, cujo sentido Brant faz oscilar na visão do espectador, à medida em que o filme avança. A pintura de Ehrenberg e a paixão incontida de Martins por Inês aos poucos revelam no filme "uma ou duas coisas sobre ela". Este seria o título de "Crime Delicado", até que Brant mudou de idéia e voltou ao original do texto de Sérgio Sant'Anna, base do longa. Do "Um Crime Delicado" de Sant'Anna, Brant excluiu o artigo "um". Querer saber por que é esperar ouvir demais de quem diz só uma ou duas coisas sobre si. Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Crítica: Diretor faz ode rigorosa e apaixonada à imperfeição Índice |
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