São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2005

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Cinéfilos enfrentam sessão de sete horas

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O filme aproxima-se de sua terceira hora quando um nada discreto ronco irrompe da platéia. Mas isso não é problema. Em poucos minutos, esse dorminhoco vai acordar -é o primeiro intervalo de "O Sapato de Cetim" (1985), épico de Manoel de Oliveira, maratona de um filme só com quase sete horas de duração (410 min.), anteontem na Mostra.
Doze corajosos espectadores vão se dirigindo à sala 2 do Cineclube Vitrine, às 12h30, horário previsto para o início, quando são informados de que haverá um "pequeno" atraso, já que os rolos do filme acabavam de chegar. Nada que abale a convicção desses admiradores de Oliveira, que ainda aguardam 50 minutos para enfim entrar na sala.
Para se preparar para tão intensa experiência, o dono de cineclubes em Florianópolis (SC) Gilberto Gerlach, 62, tira os sapatos e caminha assim, de meias, pelo saguão. "Meu único problema é físico, já que tenho dores nas costas. A narrativa do Manoel costuma ser lenta, mas isso não atrapalha."
Quando surgem os primeiros créditos, a sala tem cerca de 30 pessoas. "O Sapato de Cetim", adaptação de peça de Paul Claudel, é para iniciados, com longos planos, ambientação que remete ao teatro e personagens que recitam densos textos. "Estou adorando, é um filme muito poético e romântico. Acho que não vou me cansar", diz a professora aposentada Amélia Clementino, 54, no primeiro dos dois intervalos de dez minutos da sessão. "Também não acho cansativo, já que tem essas pausas. É como ver três filmes em seguida. Gosto desse estilo antinaturalista", afirma o estudante de rádio e TV João Marcos, 20.
Em épocas de Mostra, dona Amélia, que "almoçou" uma quiche e um cafezinho, "mora" em cinemas. Antes de "O Sapato...", já tinha visto "O Pavão". Em seguida, iria assistir a "Maria Bethania - Música É Perfume". Seu bom humor só fica um pouco abalado quando, em vários momentos do filme, falado em francês, a legenda desaparece. Foi reclamar na bilheteria e queria ter direito a uma nova sessão, desta vez com legendas. Ao final, por volta das 20h40, entre dorminhocos e despertos, cerca de 15 pessoas saíam da sessão mais longa desta Mostra, após quase sete horas vendo um "Sapato de Cetim".


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