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Crítica/"Vicky Cristina Barcelona"
Woody Allen reitera poder camaleônico em filme liberador
Diretor abusa de influências como Almodóvar, Antonioni e Rohmer e das cores catalãs em seu quarto longa europeu
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
De uma ponta a outra da
filmografia de Woody
Allen a tendência mais
simples de constatar é o mimetismo. Da comédia clássica
hollywoodiana a Bergman e Fellini, o diretor norte-americano
absorveu muito dos seus prazeres de espectador e nos devolveu tudo em mais de 40 filmes
retemperados com um inconfundível toque pessoal.
Com "Vicky Cristina Barcelona", seu quarto filme realizado na Europa, Allen demonstra, ainda uma vez, que suas capacidades camaleônicas permanecem inalteradas. Depois
de três filmes na Inglaterra, o
diretor visita Barcelona, onde o
que chama a atenção de cara é
como ele se adapta à cor local.
Um grande desperdício seria
desqualificar o filme apontando que Allen foi à Espanha filmar clichês. Nem deveria ser
diferente, já que o que ele narra
são as aventuras de Vicky e
Cristina, turistas americanas
que chegam a Barcelona carregadas com o espírito-clichê que
levamos em bagagens.
Outra escolha estaria em dar
atenção a como Allen mimetiza
(a luz local, uma seqüência musical já vista em "Fale com Ela",
de Almodóvar, por exemplo)
para refazer esses materiais à
sua maneira. Não se trata de copiar ou de plagiar. A mímese é
mais um processo no qual uma
forma se torna outra, uma astúcia baseada na incorporação.
Desse modo, já vimos Allen
assinar filmes bergmanianos,
fellinianos, cassaveteanos, dostoievskianos ou tchekovianos
da mesma forma que os identificamos como nova-iorquinos,
ou como londrinos, ou cômicos/trágicos (basta lembrar
"Melinda e Melinda", um grande tratado sobre o mimetismo
entre tragédia e comédia).
Igualmente, os mais cinéfilos
não terão dificuldades para reconhecer um Allen rohmeriano
em "Vicky Cristina Barcelona",
com sua ciranda amorosa que
culmina (atenção: spoiler) nas
cenas "calientes" entre Scarlett
Johansson e Penélope Cruz.
Ou um Allen antonioniano,
com a referência ao Jack Nicholson que também resolve
mudar de vida, em "Passageiro:
Profissão Repórter".
Contudo, o novo título reitera um mimetismo de outra ordem, que não envolve apenas
dois, mas três termos.
Triangulações
Em vez de se chamar "Vicky e
Cristina em Barcelona" (pois é
disso que se trata), o título nos
remete, em sua tripla nomeação, a triangulações que se desdobram ao longo do filme: duas
garotas e uma cidade, uma garota e um casal, duas garotas e
outro casal, um homem e duas
mulheres e por aí vai.
Trata-se de uma arte combinatória na qual cada termo se
encontra em posição livre para
escolher, mas também para ser
escolhido (ou excluído), o que
altera, a cada passo, o resultado
e torna tudo imprevisível.
Também bastante livre em
sua posição de regente, Allen
não resiste à oportunidade e
nos entrega um filme liberador.
VICKY CRISTINA BARCELONA
Quando: hoje, 21h30, no Unibanco
Arteplex 1; amanhã, 15h50 e 21h40,
no Espaço Unibanco Pompéia 1; dia
30, 17h30, no Cine Bombril 1
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo
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