São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2008

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Crítica/"Vicky Cristina Barcelona"

Woody Allen reitera poder camaleônico em filme liberador

Diretor abusa de influências como Almodóvar, Antonioni e Rohmer e das cores catalãs em seu quarto longa europeu

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

De uma ponta a outra da filmografia de Woody Allen a tendência mais simples de constatar é o mimetismo. Da comédia clássica hollywoodiana a Bergman e Fellini, o diretor norte-americano absorveu muito dos seus prazeres de espectador e nos devolveu tudo em mais de 40 filmes retemperados com um inconfundível toque pessoal.
Com "Vicky Cristina Barcelona", seu quarto filme realizado na Europa, Allen demonstra, ainda uma vez, que suas capacidades camaleônicas permanecem inalteradas. Depois de três filmes na Inglaterra, o diretor visita Barcelona, onde o que chama a atenção de cara é como ele se adapta à cor local.
Um grande desperdício seria desqualificar o filme apontando que Allen foi à Espanha filmar clichês. Nem deveria ser diferente, já que o que ele narra são as aventuras de Vicky e Cristina, turistas americanas que chegam a Barcelona carregadas com o espírito-clichê que levamos em bagagens.
Outra escolha estaria em dar atenção a como Allen mimetiza (a luz local, uma seqüência musical já vista em "Fale com Ela", de Almodóvar, por exemplo) para refazer esses materiais à sua maneira. Não se trata de copiar ou de plagiar. A mímese é mais um processo no qual uma forma se torna outra, uma astúcia baseada na incorporação.
Desse modo, já vimos Allen assinar filmes bergmanianos, fellinianos, cassaveteanos, dostoievskianos ou tchekovianos da mesma forma que os identificamos como nova-iorquinos, ou como londrinos, ou cômicos/trágicos (basta lembrar "Melinda e Melinda", um grande tratado sobre o mimetismo entre tragédia e comédia).
Igualmente, os mais cinéfilos não terão dificuldades para reconhecer um Allen rohmeriano em "Vicky Cristina Barcelona", com sua ciranda amorosa que culmina (atenção: spoiler) nas cenas "calientes" entre Scarlett Johansson e Penélope Cruz.
Ou um Allen antonioniano, com a referência ao Jack Nicholson que também resolve mudar de vida, em "Passageiro: Profissão Repórter".
Contudo, o novo título reitera um mimetismo de outra ordem, que não envolve apenas dois, mas três termos.

Triangulações
Em vez de se chamar "Vicky e Cristina em Barcelona" (pois é disso que se trata), o título nos remete, em sua tripla nomeação, a triangulações que se desdobram ao longo do filme: duas garotas e uma cidade, uma garota e um casal, duas garotas e outro casal, um homem e duas mulheres e por aí vai.
Trata-se de uma arte combinatória na qual cada termo se encontra em posição livre para escolher, mas também para ser escolhido (ou excluído), o que altera, a cada passo, o resultado e torna tudo imprevisível.
Também bastante livre em sua posição de regente, Allen não resiste à oportunidade e nos entrega um filme liberador.


VICKY CRISTINA BARCELONA
Quando: hoje, 21h30, no Unibanco Arteplex 1; amanhã, 15h50 e 21h40, no Espaço Unibanco Pompéia 1; dia 30, 17h30, no Cine Bombril 1
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo



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