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Crítica/"Perro Come Perro"
Premiada estréia de diretor busca conexão com universo de Tarantino
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Em "Perro Come Perro",
de Carlos Moreno, cão
come cão, peixe come
peixe e, por extensão, homem
come homem.
Há uma metáfora evidente e
até certo ponto redundante
nesse retrato da autofagia
no submundo do crime na Colômbia, em especial em Cali,
uma das capitais mundiais do
tráfico de cocaína.
O entrecho, em linhas gerais,
é o seguinte: Victor Penãranda
(Marlon Moreno) e Benítez
(Oscar Borda) são escalados
para um serviço especial por
seu chefão, El Orejón (Blas
Jaramillo, morto pouco depois
das filmagens). Hospedados
num hotelzinho de Cali, eles
têm de esperar um terceiro capanga, Sierra (Alvaro Rodriguez), para cumprir a missão,
que certamente é o assassinato
de um desafeto do chefe.
A situação, de certo modo,
lembra "Os Matadores", de Beto Brant, só que numa versão
mais tosca. O que complica as
coisas é que Peñaranda é suspeito (com razão, como sabe o
espectador desde o início) de
ter roubado El Orejón num caso anterior, e Benítez, de ter assassinado um aliado do chefe.
A missão, portanto, é uma
farsa, cujo objetivo secreto é fazer os dois sicários se entredevorarem. Por conta dessa tramóia de maldades, tanto como
pela violência que impregna cada cena, o filme foi vinculado à
linhagem de Quentin Tarantino, em especial a "Cães de Aluguel" e "Pulp Fiction".
Sobrenatural
A aproximar o filme de Carlos Moreno da matriz tarantiniana há ainda o humor negro,
manifestado na interferência
de um estranho personagem
que telefona para o quarto de
hotel onde estão os capangas,
atrás de uma certa Adela.
Mas o que "Perro Come Perro" traz de marca, digamos,
"autoral" é o recurso ao sobrenatural, à macumba realizada
pela feiticeira negra Iris (Paulina Flores), contra um dos matadores protagonistas.
No mais, o que se impõe é
uma astuta convergência de
histórias que se cruzam, registradas por uma câmera instável
que busca mimetizar a incerteza dos personagens.
Algumas cenas são particularmente inspiradas, como
aquela em que o chefão El Orejón, diante de uma luneta voltada para uma praça de Cali, dá a
Benítez a oportunidade de
escolher ao acaso uma pessoa
a ser morta à distância e
sem nenhum risco.
Essa demonstração gratuita
de poder, que se expressa numa
crueldade em estado puro,
confere peso e gravidade à
tragicomédia de erros que é
"Perro Come Perro".
Estréia de Moreno no longa-metragem, o filme ganhou em
Gramado os Kikitos de melhor
direção, fotografia e ator, além
do prêmio da crítica.
PERRO COME PERRO
Quando: hoje, às 14h, no Espaço
Unibanco Pompéia 1
Classificação: 16 anos
Avaliação: bom
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