São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2008

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Crítica/"Perro Come Perro"

Premiada estréia de diretor busca conexão com universo de Tarantino

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Em "Perro Come Perro", de Carlos Moreno, cão come cão, peixe come peixe e, por extensão, homem come homem.
Há uma metáfora evidente e até certo ponto redundante nesse retrato da autofagia no submundo do crime na Colômbia, em especial em Cali, uma das capitais mundiais do tráfico de cocaína.
O entrecho, em linhas gerais, é o seguinte: Victor Penãranda (Marlon Moreno) e Benítez (Oscar Borda) são escalados para um serviço especial por seu chefão, El Orejón (Blas Jaramillo, morto pouco depois das filmagens). Hospedados num hotelzinho de Cali, eles têm de esperar um terceiro capanga, Sierra (Alvaro Rodriguez), para cumprir a missão, que certamente é o assassinato de um desafeto do chefe.
A situação, de certo modo, lembra "Os Matadores", de Beto Brant, só que numa versão mais tosca. O que complica as coisas é que Peñaranda é suspeito (com razão, como sabe o espectador desde o início) de ter roubado El Orejón num caso anterior, e Benítez, de ter assassinado um aliado do chefe. A missão, portanto, é uma farsa, cujo objetivo secreto é fazer os dois sicários se entredevorarem. Por conta dessa tramóia de maldades, tanto como pela violência que impregna cada cena, o filme foi vinculado à linhagem de Quentin Tarantino, em especial a "Cães de Aluguel" e "Pulp Fiction".

Sobrenatural
A aproximar o filme de Carlos Moreno da matriz tarantiniana há ainda o humor negro, manifestado na interferência de um estranho personagem que telefona para o quarto de hotel onde estão os capangas, atrás de uma certa Adela.
Mas o que "Perro Come Perro" traz de marca, digamos, "autoral" é o recurso ao sobrenatural, à macumba realizada pela feiticeira negra Iris (Paulina Flores), contra um dos matadores protagonistas.
No mais, o que se impõe é uma astuta convergência de histórias que se cruzam, registradas por uma câmera instável que busca mimetizar a incerteza dos personagens.
Algumas cenas são particularmente inspiradas, como aquela em que o chefão El Orejón, diante de uma luneta voltada para uma praça de Cali, dá a Benítez a oportunidade de escolher ao acaso uma pessoa a ser morta à distância e sem nenhum risco.
Essa demonstração gratuita de poder, que se expressa numa crueldade em estado puro, confere peso e gravidade à tragicomédia de erros que é "Perro Come Perro".
Estréia de Moreno no longa-metragem, o filme ganhou em Gramado os Kikitos de melhor direção, fotografia e ator, além do prêmio da crítica.


PERRO COME PERRO
Quando: hoje, às 14h, no Espaço Unibanco Pompéia 1
Classificação: 16 anos
Avaliação: bom



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