São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2010

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CRÍTICA ERUDITO

Músicas de Gilberto Mendes confrontam acaso e razão


A ELABORAÇÃO DAS OBRAS DE MENDES ASSEMELHA-SE AO DESLOCAMENTO SUAVE DOS NAVIOS VISTOS DA PRAIA DA CIDADE DE SANTOS


SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

"Gilberto Mendes: Um Só Compositor em Vários Compositores" é o título do CD dedicado ao músico santista que o Selo Sesc lança amanhã, no encerramento do 45º Festival Música Nova, evento criado por Mendes em 1962.
Há várias leituras possíveis para o título do disco. A mais evidente destaca a identidade autoral subjacente a um itinerário que atravessa diferentes fases.
Assim, o álbum apresenta desde obras atonais pontilhistas, como "Rotationis" (1962), até peças com traços minimalistas, escritas a partir dos anos 1980, como "O Meu Amigo Koellreutter".
Mas caberia igualmente inverter a frase e pensar em Mendes como "vários compositores em um só compositor", dados os múltiplos níveis de escrita exercitados pelo mesmo homem.
Seu artesanato idiossincrático aprofunda apenas o que convém e a elaboração de suas obras assemelha-se frequentemente ao deslocamento suave dos navios vistos da praia de Santos.
Se tomarmos, porém, o "só" do título como imagem de "solidão", teremos ainda outro sentido: a música de Mendes carrega certo tom de isolamento.
Sua personalidade poética é desconfiada, é um "peixe fora d'água" no mundo musical. Deve diverti-lo bastante o fato de essas obras estranhas terem se tornado unanimidade na música brasileira.
Mas é na teatralidade insólita, implícita já em "Cavalo Azul" (1961), que essa arte se encontra plenamente. A obra justapõe declamação silábica do coro masculino com serialismo do grupo instrumental: "Acaso e razão se beijam", diz um verso do poema de Flavio Viegas Amoreira, que poderia definir a música de Mendes.
No decorrer de "Cavalo Azul" o texto parece ir transformando uma música que já existia, mas que não resiste à força das palavras.
Até que, no final, um cluster de três notas distribuídas no espaço sonoro consegue atingir a estaticidade necessária, o "oceano vasto" a partir do qual a obra poderia, enfim, começar.

GILBERTO MENDES: UM SÓ COMPOSITOR EM VÁRIOS COMPOSITORES

INTÉRPRETES vários
LANÇAMENTO Selo Sesc
QUANTO R$ 25, em média
AVALIAÇÃO bom
LANÇAMENTO amanhã, às 21h, no Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, tel. 0/xx/11/5080-3000; R$ 10)


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