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ARIANO SUASSUNA
Guimarães Rosa e Eu
ALMANAQUE ARMORIALGrande Logogrifo Brasileiro da Arte, do Real e da Beleza, contendo idéias, enigmas, lembranças, informações, comentários e a narração de casos acontecidos ou inventados, escritos em prosa e verso e reunidos, num Livro Negro do Cotidiano, pelo Bacharel em Filosofia e Licenciado em Artes Ariano Suassuna
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LEMBRANÇA DE UM GRANDE ESCRITOR
"No tempo em que, ao lado
de Raimundo Faoro e outros, pertenci ao Conselho Federal
de Cultura, o lugar que me foi designado para sentar-me à mesa
dos trabalhos ficava entre Rachel
de Queiroz e João Guimarães Rosa. E como fui sempre meio dado
a augúrios, vi nisso uma pedra do
meu Destino: era como eu tivesse
obtido a honra de ficar ladeado
pelo Sertão do Nordeste e pelo
Sertão de Minas, entre O Quinze
e o Grande Sertão".
As palavras que acabo de transcrever iniciam um texto que publiquei em 1970 e que resolvi republicar agora a propósito da bela
e generosa carta que José Silveira
da Rosa Filho dirigiu à Folha sobre o Almanaque da semana passada. Naquele texto eu continuava:
"Nas reuniões do Conselho,
mesmo quando se discutiam os
graves assuntos da Cultura nacional, não deixavam de aparecer
momentos de descanso ou de comentários amenos tecidos por
nós.
"Nesses momentos, de vez em
quando, tanto Rachel de Queiroz
quanto Guimarães Rosa costumavam passar bilhetes para mim,
comentando algum incidente ou
dando alguma opinião sobre os
acontecimentos do dia.
"Ambos eram agudos e líricos.
Mas a poesia dos escritos de Rachel de Queiroz era clássica, pura
e forte, como a sua admirável
prosa das crônicas. A de Guimarães Rosa era complicada e sinuosa, como uma Mata mineira coberta de Cipós e parasitas.
"Um dia, tendo recebido de presente a nova edição de Sagarana
e a primeira de Tutaméia que
acabara de sair, passei para Guimarães Rosa um bilhete no qual
dizia que as duas dedicatórias
que ele tinha escrito configuravam uma espécie de poesia de
circunstância.
"Ele tomou os dois volumes
com ar curioso, releu o que escrevera e, na mesma hora, assumindo a expressão aplicada e concentrada que parecia ser a sua quando escrevia, pegou uma frase
aqui, outra ali, colou e transportou, passando-me então o seguinte poema:
"A Ariano Suassuna:
"Em tempo duro ou tranquilo,
Riobaldo abraça João Grilo. E já
que a arte é vera e una, o Rosa
abraça o Suassuna!
"Aqui, d'El-Suassuna! Oh
grande Ariano, meu e de todos!
Irmão, sansão, gedeão, campeão
dos vivíssimos textos recitáveis,
mistérios claros, apogeus vivenciados (e do Gato que descome
dinheiro).
"Suassuna dito, bendito, colhedor de aplausos, jardim do mato
regado a orvalho, Rei do quinto
naipe do baralho e Chefe de roteiros, capaz de guardar coisas
bem raras na lembrança e no coração da gente -principalmente deste seu, em afeto e abraço-
Guimarães Rosa".
"É, como se vê, um simples poema de circunstância, cheio de
alusões pessoais, indecifráveis para os outros.
"Novamente, porém, com o
temperamento impressionável
que tenho, tudo isso me tocou
profundamente. Aqui, d'El-Suassuna era a expressão com que
João Guimarães Rosa me saudava sempre que me via, e a qual eu
respondia sempre Aqui, d'El Rosa. Porque, para mim, com a admiração que eu tinha por ele, era
como se eu dissesse Aqui, d'El-Rei".
"O que mais me impressionou,
porém, no poema, foi o fato de
Guimarães Rosa nele me chamar
de Rei do quinto naipe do baralho e Chefe de roteiros. Primeiro,
porque um personagem que carrego comigo de 1958 para cá
(Quaderna), é impressionado, entre outras coisas, com a Astrologia e com o jogo do Baralho (...).
Por outro lado, sendo mais moço
do que ele, aquilo, para mim, era
como se Guimarães Rosa estivesse
me dando, com esporas de Cavaleiro, permissão para montar e
cavalgar, não seguindo seus passos, mas por minha própria Estrada".
Assim, quero esclarecer a José
Silveira da Rosa Filho que estou
de acordo com o grande Guimarães Rosa, quando ele afirmava
que era um escritor e por isso
pensava era "na ressurreição do
homem". Como ele, também
"acredito no homem e lhe desejo
um futuro". Mas discordava e discordo de Rosa num ponto: não
concordo com o absenteísmo que
o levou a sair da sala, em Gênova,
no momento de se discutir o compromisso político do escritor.
A meu ver, a visão de um sonho
maior e mais belo para o futuro
não nos exime do dever de refletir, escrever e lutar na arena do
nosso tempo, na tentativa de, na
medida de nossas poucas forças,
trazer um pouco daquele belo futuro ao nosso atormentado presente.
Espero, entretanto, que meu
texto de 1970 deixe claro que nunca tal discordância afetou, no mínimo que fosse, a amizade e a admiração que me ligavam à grande
figura humana e ao escritor de gênio que foi João Guimarães Rosa.
Continua na próxima semana.
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