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LIVROS
LITERATURA DE VIAGEM
"O Grande Bazar Ferroviário" narra trajeto feito em 75
Clássico de Paul Theroux desembarca após 30 anos
DA REPORTAGEM LOCAL
Existe uma estrada de ferro que
corta pela metade a literatura de
viagens contemporânea. Essa estrada de ferro tem o imponente
nome "O Grande Bazar Ferroviário" e foi "inaugurada" em 1975.
O "maquinista" se chama Paul
Theroux e, com este livro, no qual
narra uma viagem de Londres a
Tóquio (veja trajetória acima), ida
e volta, sempre que possível por
trem, se consagrou como o maior
nome atual das letras viajantes.
A obra central deste americano
de 64 anos, viajante de qualidade
também na estrada da ficção, está
saindo pela primeira vez no Brasil, lançada pela editora Objetiva.
Em entrevista à Folha, Theroux
mostrou polaróide pouco favorável do Brasil, criticou os Estados
Unidos, a internet e até o ato de
viajar e fez um balanço de andanças feitas e das que pretende fazer.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - Quando o sr. estava no Japão, quase terminando sua longa
viagem, um sujeito chamado Chester lhe perguntou qual a graça de
um livro de viagens se todos nós
viajamos. O sr. , que depois viria a
se especializar nesse gênero, ficou
na época desconcertado com a pergunta. Se pudesse encontrar Chester hoje como o responderia?
Paul Theroux - Eu diria a ele, como freqüentemente digo a mim
mesmo, que o ato de viajar é
egoísta, auto-indulgente e normalmente sem propósito, mas
que às vezes tem o efeito de nos fazer lembrar quem somos, como é
o mundo e por que estamos nele.
Escrever sobre uma viagem força o viajante a pensar profundamente sobre seu deslocamento e a
buscar conclusões inteligentes.
Para mim é fundamental. Se não o
faço, mal lembro onde estive.
Folha - Quando o sr. fez a viagem
descrita no livro, em 1975, era dezenas de vezes mais difícil conseguir informações sobre lugares distantes. O sr. acha que um livro como "O Grande Bazar" faria sentido
nos tempos da internet?
Theroux - Acredito que o único
jeito de ter informações de verdade sobre um lugar é viajando até
ele. A internet é um saco de mentiras, de meias-verdades, de enganos e fraudes. Tente conseguir alguma informação sobre Angola
na internet. Não há quase nada. A
experiência in loco é fundamental. Em última instância, você verá
que Angola não existe no papel.
Só existe para o viajante audaz.
Folha - Passados 30 anos de sua
viagem, qual a melhor e a pior lembrança que o sr. guarda dela?
Theroux - Muitos acham que o
pior foi o Afeganistão. Mas a pior
parte da viagem mesmo foi ter ficado longe por tanto tempo da
minha mulher e de meus dois filhos, então pequenos. As melhores partes foram a descoberta de
que o Vietnã era tão lindo e a sensação de um trem a vapor me levando Sibéria adentro durante
uma tempestade de neve.
Folha - Quantos países o sr. conheceu durante sua longa carreira
de "escritor-viajante"?
Theroux - Não sei, nunca contei.
Casanova costumava ter sempre
em mente o número de mulheres
que ele seduziu, o que me dá sinais de que ele nunca gostou verdadeiramente das mulheres.
Folha - Quais países estão na lista
dos que o sr. gostaria de conhecer?
Theroux - São muitos, incluindo
toda a Escandinávia, o Cambodja
e o Brasil, que gostaria de conhecer melhor. Também gostaria de
conhecer partes dos EUA, como
Dakota do Norte e Arkansas.
Folha - Eu já li uma declaração do
sr. de que "as favelas brasileiras
são piores do que qualquer coisa
no mundo". É essa a principal lembrança do sr. sobre o Brasil?
Theroux - Eu fiz uma tentativa de
viajar pelo Brasil em 1997, mas depois de seis semanas tive a convicção de que não saber a língua daí
atrapalharia muito o meu entendimento sobre o país. Minhas impressões foram passageiras, mas
não as melhores. Encontrei aí
muitos exemplos de catástrofes
ambientais, de indiferença política com uma população já impaciente, encontrei cidades dignas
de pesadelos. São Paulo me pareceu um exemplo de desenvolvimento insustentável. Mas o que
sei eu? Sou um turista ignorante.
Folha - O sr. já disse que literatura de viagem não é escrever coisas
à "Está tudo bem por aqui. Queria
que você estivesse comigo", que
viajar é "miséria e atrasos". Como o
sr. faz quando viaja e vive o clima
"Está tudo bem por aqui. Queria
que você estivesse comigo"?
Theroux - Quando tudo está indo bem em uma viagem, é impossível seguir escrevendo. Mas isso
vale também para a ficção. Ela
também trata inevitavelmente de
visões deturpadas de mundo.
Folha - Para o sr., quão próxima a
sua escrita chega da antropologia?
Theroux - Provavelmente estou
mesmo próximo da antropologia
embora eu seja especialmente anticientífico e ache a antropologia
bem maçante. É claro que algumas obras antropológicas, como
"Tristes Trópicos", de Lévi-Strauss, são lindas. Este é, aliás,
um grande estímulo que tenho
para conhecer o Brasil para valer.
Folha - No seu livro o sr. descreve
muitos lugares exóticos que visitou. Para muitos, um dos lugares
mais exóticos do mundo hoje é os
Estados Unidos. O sr. consegue
imaginar um livro de viagens em
estilo Theroux sobre os EUA?
Theroux - Os Estados Unidos
podem parecer exóticos para
muitos. Para mim é uma casa, e
nossas casas nunca são exóticas.
Gostaria muito de escrever um livro sobre os EUA, mas ainda não
encontrei um jeito de fazê-lo.
Folha - Como o sr. pensa que as
coisas vão mudar para um viajante
com a promoção de Condoleezza
Rice e a política externa de Bush?
Theroux - Tudo vai ficar pior. A
economia, a Guerra do Iraque, a
moral americana, a segurança.
Uma vitória de Kerry não teria feito as coisas muito diferentes, pois
ele também havia decidido aumentar o número de soldados fora do país. Não existem soluções
militares para o atual conflito, só
as políticas e diplomáticas.
Folha - Seu próximo romance, o
ainda inédito "Blinding Light",
promete ser a história de um escritor que, depois do sucesso com um
livro de viagens, tem uma aguda
crise criativa. Seu primeiro grande
sucesso, o livro de viagens "Grande
Bazar", teve efeito parecido?
Theroux - Não. O fato de ter um
livro de sucesso me trouxe liberdade e felicidade, alimentou minha família e me permitiu seguir
adiante, fazendo outros 30 livros.
O GRANDE BAZAR FERROVIÁRIO.
Autor: Paul Theroux. Editora: Objetiva.
Tradução: Marisa Motta e Fernanda
Abreu. Quanto: R$ 59,90 (453 págs.)
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