São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2004

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"MALAGUETA, PERUS E BACANAÇO"

João Antônio constrói contos "positivamente malandros"

BRUNO ZENI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O livro de contos "Malagueta, Perus e Bacanaço", lançado em 1963 e agora reeditado, é a estréia literária de João Antônio (1937-96). Sua publicação não representava pouco para um garoto de 26 anos, nascido no subúrbio paulistano de Presidente Altino, filho de uma dona-de-casa mulata e de um motorista de caminhão de origem portuguesa.
A nova edição do livro, feita pela Cosac & Naify (que vem relançando outras obras do autor -"Ó, Copacabana", "Dedo-Duro", "Leão-de-Chácara", "Abraçado ao Meu Rancor"), traz encarte com texto de Rodrigo Lacerda rico em dados biográficos e informações sobre a recepção crítica da obra, além de uma explicação desmistificadora sobre a famosa história do incêndio que destruiu os originais do livro.
Ao longo de uma carreira dividida entre o jornalismo e a literatura, entre Rio de Janeiro e São Paulo, João Antônio colecionou resenhas e ensaios elogiosos de nomes como João Alexandre Barbosa, Alfredo Bosi, Antonio Arnoni Prado e Antonio Candido.
Identificado com predecessores de nossa literatura urbana -principalmente com Lima Barreto-, João Antônio inaugurava um tipo novo de realismo na literatura brasileira. Para Antonio Candido, ao lado de Rubem Fonseca o autor empreende um "realismo feroz".
Se há proximidade temática entre ambos, os dispositivos literários de cada um são diversos, se não opostos. Autor de uma ficção colada à própria experiência, João Antônio mantém relação de forte identidade com o mundo que retrata, despendendo tratamento lírico e afetivo ao universo dos "marginais moídos pela vida".
O conto "Malagueta, Perus e Bacanaço" descreve as andanças de três malandros jogadores de sinuca pela noite de São Paulo. A ação tem início num bar da Lapa, lugar onde também termina a narrativa. Depois de passarem por Barra Funda, Centro e Pinheiros tentando faturar uma grana, os parceiros voltam à Lapa sem dinheiro. A circularidade confere recorrência fabular à narrativa, como se os personagens vivessem num moto-contínuo o perde-ganha infinito da malandragem.
O conto cresce se lido junto com as primeiras narrativas do livro. Os protagonistas de "Busca" e "Afinação da Arte de Chutar Tampinhas" também oscilam entre trabalho e vagabundagem, entre ordem e desordem, entre os pólos positivo e negativo da sociedade, funcionamento que Antonio Candido definiu como "dialética da malandragem".
"Malagueta, Perus e Bacanaço" é um livro que se pergunta, no começo dos anos 60, sobre o destino do Brasil urbano e industrial. A obra é uma utopia de um país positivamente malandro: frágil e inventivo, erudito e popular, violento, mas amoroso, fraterno, ainda que espoliador.
Sinuca, samba, futebol, arte e a própria literatura se afiguram assim como práticas reais e metafóricas, pontos de fuga rumo a um horizonte futuro. Lido hoje, o livro é fonte de inspiração para pensar a cidade, o país e a literatura que se produz a partir de nossa realidade cindida.
Malagueta, Perus e Bacanaço


     Autor: João Antônio Editora: Cosac & Naify Quanto: R$ 29,90 (222 págs.)

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