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TEATRO
"A Second Hand Memory" aborda duas gerações de fracassados nos anos 50
Woody Allen imerge em peça sobre desesperança
CHARLES ISHERWOOD
DO "THE NEW YORK TIMES"
A tragédia é provavelmente algo
que ficará para sempre fora do alcance de Woody Allen, por mais
que ele, quando se sinta em clima
"ingmar bergmanesco", possa
tentar chegar até ela. A infelicidade, porém, é algo que ele domina
sem dificuldade em sua nova peça, a implacavelmente deprimente "A Second Hand Memory",
que estreou na última segunda na
Atlantic Theater Company, em
produção dirigida por Allen.
Recoberto de tristeza, esse drama sobre duas gerações de sonhadores fracassados no Brooklyn,
nos anos 50, é narrado por Alma
Wolfe (Elizabeth Marvel), beatnik
que vive às margens de seu mundo em meio a uma névoa de fumaça de cigarro, com um copo de
bebida dourada forte na mão.
Alma é a única que conseguiu
escapar do ambiente envenenado
da fazenda de sua família, para a
qual ela serve de guia turística
emocional. Mas Alma vive uma
ressaca permanente, perdendo-se
numa série de encontros com homens em cidades européias, sonhando tornar-se escritora e, ao
mesmo tempo, à procura do
amor que nunca recebeu de seu
pai, que queria um filho homem.
Esse é apenas um dos clichês deprimentes que se juntam como
poeira nos cantos desta peça decepcionante, que, de maneira desajeitada e confusa, se desloca entre diferentes momentos temporais ao apresentar a saga infeliz da
família Wolfe (a cronologia dispersa e as ambientações diversas,
representadas no palco de maneira incômoda, sugerem que o texto
pode ter surgido primeiramente
como roteiro de filme).
A peça começa com Eddie
(Nicky Katt), o filho que Lou Wolfe (Dominic Chianese) finalmente
teve, ajudando a recuperar as finanças da joalheria da família, da
qual nunca gostou. Eddie está casado há pouco e sua mulher espera um filho, mas seu cenho franzido assinala sua angústia interior.
As raízes dessa angústia vêm à
tona quando a peça descreve uma
volta no tempo, revelando a crise
que fez Eddie voltar de Hollywood para casa: o fato de Lou descobrir que os contadores da joalheria faziam barbaridades e colocaram a empresa no vermelho.
Eddie foi chamado para casa,
tendo que abandonar seu novo
emprego com seu tio Phil Wellman (Michael McKean), um
agente de Hollywood que lhe tinha dado uma chance, atendendo
ao pedido de Fay (Beth Fowler),
mulher de Lou e irmã de Phil.
Alguns outros instantâneos do
passado revelam que a volta de
Eddie para casa não foi voluntária. Ele também resolvera retornar para afastar-se do caso que tinha com a secretária do tio Phil,
Diane (Erica Leerhsen), que buscara consolo em seus braços após
um caso adúltero com seu chefe.
Mas, quando Phil resolve separar-se de sua mulher para ficar com
Diane, esta manda Eddie embora.
Agora Eddie se vê ligado a contragosto à mulher com quem se
casou para esquecer o romance
com Diane e vislumbra a perspectiva de uma vida cansativa ao lado
de seu pai dominador e frágil fisicamente. Uma chance de fazer
um negócio imobiliário na Flórida lhe oferece um meio de escapar
do futuro sufocante.
As prisões emocionais, angústia
e os sentimentos de culpa já viraram temas obsessivos no trabalho
de Allen e são quase a base toda de
"A Second Hand Memory". ""Não
mando em meus sentimentos",
diz Eddie, desculpando-se pelo
fato de continuar a amar Diane. E
ele tem bons motivos para fugir
de sua vida de casado.
Cada mudança no tempo vai
trazendo à tona mais um episódio
de angústia familiar, mais uma
causa oculta de amargura. Também Fay sonhava com Hollywood, mas desistiu para casar
sem amor. Lou foi chantageado
por Phil, obrigado a pôr fim a um
caso extraconjugal e nunca perdoou seu cunhado por isso.
Neste clima de desesperança, o
dilema de Eddie -ele deve continuar com a mulher ou deve deixá-la?- gera pouco suspense. Alma
resume a moral dominante da
história ainda no início da peça:
"Todo o mundo tem boas intenções, mas, por alguma razão, a vida não dá certo". "Porque o ser
humano é fraco", responde Fay.
A ação comprova a validade
desses pronunciamentos sombrios e, embora os atores criem algum calor humano, é difícil escapar da sensação de que os personagens não estão fazendo mais do
que cumprir suas sentenças de
prisão diante de nossos olhos.
Marvel é uma presença atraente, embora seu papel seja um recurso literário desajeitado. Quando necessário, Alma suaviza as
transições ou se insere no drama
para convocar um dos personagens para um colóquio revelador.
McKean anima o espetáculo
bastante no papel de Phil, e Fow-
ler tem a performance mais simpática e realizada no papel de Fay.
Os personagens mais jovens
não são bem representados. A
compaixão do espectador pelo dilema de Eddie é limitada em razão
da atuação pouco nuançada de
Katt. E Leerhsen, no papel de Diane, se mostra rígida demais.
"A vida é repleta de caminhos
não-trilhados", diz Eddie, mas difícil é imaginar que qualquer caminho empreendido pelos personagens poderia conduzir a destinos mais benévolos. Sua visão da
vida como uma série de sonhos
vazios e becos sem saída emocionais parece ter sido gravada em
pedra em "A Second Hand". A
perspectiva desiludida da peça é
hermética demais para admitir a
possibilidade de contentamento,
muito menos de realização.
Tradução de Clara Allain
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