São Paulo, sexta-feira, 27 de novembro de 2009

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Teatro londrino revê morte de Jean Charles

Três peças sobre reações a assassinato do brasileiro, em 2005, estrearam neste ano

Coincidência temática fez imprensa acusar excesso de ativismo; para crítico inglês, peças são "manifestação da culpa liberal" pela morte


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

O assassinato do eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes, confundido com um terrorista numa estação de metrô de Londres, em 22 de julho de 2005, inspirou por aqui uma cinebiografia estrelada por Selton Mello (2009). Mas é na Inglaterra que o episódio parece ter causado a maior comoção no meio artístico.
Por lá, foram produzidos um docudrama televisivo, um filme que retrata o cerco a suspeitos de terrorismo na esteira dos atentados de 7/7 e ao menos três peças de teatro, que cumpriram temporada neste ano: "This Much Is True", "Oh Well Never Mind Bye" e "Stockwell" (leia no quadro ao lado).
A coincidência temática levou uma jornalista do "Guardian", um dos principais diários ingleses, a questionar, no blog de teatro da publicação: "Perspectivas e cenários diferentes são suficientes para justificar várias produções, quando a história central e as revelações são as mesmas?".
O texto de Sally Stott também sugere que se encenem os dramas das 52 pessoas mortas nos ataques de 7/7 ou de Ian Tomlinson, que não resistiu à agressão de policiais em um protesto contra o G-20, em abril passado. "Mas Ian era um vendedor de jornais inglês, não um imigrante brasileiro, e pode ser que isso faça diferença no mundo do teatro esquerdista."
Autores e diretores das peças reagiram imediatamente, defendendo as singularidades de suas criações e o apartidarismo de seus recortes.

Carrossel de ativismo
"Os ataques de 7 de julho foram surpreendentes, mas não havia surpresa na ideia de que a Al Qaeda queria matar ocidentais. Ser morto pelos "mocinhos" é, de certo modo, um prognóstico mais aterrador", diz à Folha, por e-mail, Kieron Barry, autor de "Stockwell".
O post de Sally Stott lança indagações sobre a composição (e a não renovação) do público "que embarca no carrossel de ativismo instalado em nossos palcos hoje". Por e-mail, o diretor de "Oh Well...", Tom Mansfield, afirma que "a combinação de teatro e ativismo só é arriscada quando há desonestidade -quando o teatro distorce a realidade para manipular a plateia na direção do ativismo".
Procurado pela reportagem, Paul Unwin, coautor de "This Much...", vai além: "Teatro e ativismo são uma mistura fundamental. O que não quer dizer que peças tenham de ser polêmicas ou politizadas. Elas devem provocar reflexão, e esta, por sua vez, gerar uma reação."
À Folha, o crítico de teatro do "Guardian", Michael Billington, diz ver na escolha do assassinato de Jean Charles como base dramatúrgica "a manifestação da culpa que todo liberal sente em relação ao que aconteceu há quatro anos". O sentimento, prossegue ele, "costuma ser um bom estímulo para criar teatro".
Mansfield rechaça: "Nunca senti culpa, mas sim indignação por ter sido confundido". Barry acrescenta: "Acho que o medo foi um detonador para vários escritores, eu inclusive." Unwin completa: "O que conduziu nossa peça foi a tristeza, a raiva e a ânsia de entender -e não a de condenar".


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