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Teatro londrino revê morte de Jean Charles
Três peças sobre reações a assassinato do brasileiro, em 2005, estrearam neste ano
Coincidência temática fez imprensa acusar excesso de ativismo; para crítico inglês, peças são "manifestação da culpa liberal" pela morte
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
O assassinato do eletricista
brasileiro Jean Charles de Menezes, confundido com um terrorista numa estação de metrô
de Londres, em 22 de julho de
2005, inspirou por aqui uma cinebiografia estrelada por Selton Mello (2009). Mas é na Inglaterra que o episódio parece
ter causado a maior comoção
no meio artístico.
Por lá, foram produzidos um
docudrama televisivo, um filme
que retrata o cerco a suspeitos
de terrorismo na esteira dos
atentados de 7/7 e ao menos
três peças de teatro, que cumpriram temporada neste ano:
"This Much Is True", "Oh Well
Never Mind Bye" e "Stockwell"
(leia no quadro ao lado).
A coincidência temática levou uma jornalista do "Guardian", um dos principais diários ingleses, a questionar, no
blog de teatro da publicação:
"Perspectivas e cenários diferentes são suficientes para justificar várias produções, quando a história central e as revelações são as mesmas?".
O texto de Sally Stott também sugere que se encenem os
dramas das 52 pessoas mortas
nos ataques de 7/7 ou de Ian
Tomlinson, que não resistiu à
agressão de policiais em um
protesto contra o G-20, em
abril passado. "Mas Ian era um
vendedor de jornais inglês, não
um imigrante brasileiro, e pode
ser que isso faça diferença no
mundo do teatro esquerdista."
Autores e diretores das peças
reagiram imediatamente, defendendo as singularidades de
suas criações e o apartidarismo
de seus recortes.
Carrossel de ativismo
"Os ataques de 7 de julho foram surpreendentes, mas não
havia surpresa na ideia de que a
Al Qaeda queria matar ocidentais. Ser morto pelos "mocinhos" é, de certo modo, um
prognóstico mais aterrador",
diz à Folha, por e-mail, Kieron
Barry, autor de "Stockwell".
O post de Sally Stott lança indagações sobre a composição
(e a não renovação) do público
"que embarca no carrossel de
ativismo instalado em nossos
palcos hoje". Por e-mail, o diretor de "Oh Well...", Tom Mansfield, afirma que "a combinação de teatro e ativismo só é arriscada quando há desonestidade -quando o teatro distorce a realidade para manipular a
plateia na direção do ativismo".
Procurado pela reportagem,
Paul Unwin, coautor de "This
Much...", vai além: "Teatro e
ativismo são uma mistura fundamental. O que não quer dizer
que peças tenham de ser polêmicas ou politizadas. Elas devem provocar reflexão, e esta,
por sua vez, gerar uma reação."
À Folha, o crítico de teatro
do "Guardian", Michael Billington, diz ver na escolha do
assassinato de Jean Charles como base dramatúrgica "a manifestação da culpa que todo liberal sente em relação ao que
aconteceu há quatro anos". O
sentimento, prossegue ele,
"costuma ser um bom estímulo
para criar teatro".
Mansfield rechaça: "Nunca
senti culpa, mas sim indignação por ter sido confundido".
Barry acrescenta: "Acho que o
medo foi um detonador para
vários escritores, eu inclusive."
Unwin completa: "O que conduziu nossa peça foi a tristeza,
a raiva e a ânsia de entender -e
não a de condenar".
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