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O selvagem da motocicleta
Walter Salles conclui filmagens de longa sobre a viagem do jovem Che Guevara pela América do Sul, em 1952
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SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"O menino é o pai do homem" é
uma idéia machadiana. Há um
eco desse pensamento do genial
escritor brasileiro no próximo filme do cineasta Walter Salles, 46.
Em "Diários de Motocicleta",
seu sexto longa-metragem, o diretor pretende retratar o homem
Ernesto Guevara antes de ter se
transformado no mito Che.
O longa se baseia no relato da
viagem em que o futuro líder revolucionário -então com apenas
22 anos de idade e na exclusiva
companhia do amigo Alberto
Granado- cortou a América do
Sul, da Argentina até a Venezuela.
"Foi uma viagem de cristalização de identidades, eleições éticas
e morais, realizada em um continente cuja identidade também estava em processo de transformação", diz Salles.
Falado em espanhol, produzido
pelo norte-americano Robert
Redford e protagonizado pelo
mexicano Gael García Bernal, o
longa teve suas 14 semanas de filmagens, feitas na Argentina e no
Chile, concluídas no mês passado.
Na entrevista a seguir, Salles comenta o projeto do filme e sua
aproximação com o pensamento
de esquerda.
Folha - Como fazer um filme-de-personagem sobre Che que se sustente em si mesmo, e não seja ultrapassado pela figura mítica do
personagem?
Walter Salles - A dimensão de
uma vida como a de Ernesto Guevara transcende em muito o cinema. Qualquer tentativa de narrar
a sua trajetória completa seria um
exercício redutor.
"Diários de Motocicleta" é uma
pequena história que antecede a
história com h maiúsculo, o relato
de uma viagem de descobrimento
ocorrida durante os anos de formação de dois jovens latino-americanos.
Para chegar aonde chegamos,
fizemos três anos de pesquisas,
percorremos duas vezes a rota
que Ernesto e Alberto trilharam
através do continente, ouvimos a
família Guevara, entrevistamos
Granado muitas vezes.
Por mais pesquisas que tenhamos feito, tenho consciência de
que nossos esforços serão incompletos.
Folha - O que "Diários de Motocicleta" quer comunicar, para além
do fato histórico da viagem do jovem Che pela América Latina?
Salles - Qual a pertinência de um
projeto como esse hoje em dia? O
filme tem o desejo, talvez utópico,
de mergulhar num continente
que merece ser conhecido "desde
su propia mirada", para usar um
termo em espanhol. Há 50 anos,
dois jovens mostraram que esse
não é um continente irrelevante.
Na escola, aprendemos mais sobre os gregos e os fenícios do que
sobre as culturas que nos são próximas. Aprendi dezenas de coisas
que desconhecia, informações
que me ajudaram a entender um
pouco melhor de onde viemos,
quem somos. Talvez o filme consiga passar essa sensação.
Folha - Enquanto você realiza
"Diários de Motocicleta", baseado
na vida de Che, o documentarista
João Moreira Salles, seu irmão, prepara um filme sobre a campanha
vitoriosa de Lula à Presidência. É
uma coincidência ou um diálogo?
Salles - Esse projeto ["Diários de
Motocicleta"" começou em 99,
muito antes das transformações
que estamos vivendo. Na época,
falava-se em morte das utopias, e
não na necessidade de revitalizá-las. O fato de o relato de "Diários
de Motocicleta" vir na contramão
do momento que experimentávamos foi uma das razões que me levaram à frente.
Se o projeto adquiriu sincronicidade com o seu tempo, isso faz
parte das surpresas que a vida reserva... Quanto ao João, todo o
seu trabalho de documentarista
sempre esteve de mãos dadas com
o batimento do país -"Notícias
de uma Guerra Particular", a série
sobre futebol etc.
Folha - Por que a esquerda é, neste momento, um tema cinematograficamente sedutor para você?
Com "Diários de Motocicleta", o cineasta Walter Salles se coloca como um pensador à esquerda?
Salles - Respondo com uma lista
dos filmes e documentários que
produzimos ou co-produzimos
na Videofilmes [empresa dos irmãos Salles" nos últimos anos:
"Babilônia 2000" e "Edifício Master", de Eduardo Coutinho. "Raízes do Brasil", a série "Casa Grande e Senzala" e "Meu Compadre
Zé Ketti", todos de Nelson Pereira
dos Santos. "Madame Satã", de
Karim Aïnouz. "Cidade de Deus",
de Fernando Meirelles e co-direção de Katia Lund. "O Invasor",
de Beto Brant, esses dois últimos
em regime de co-produção.
Ou seja: se há algo em que acreditamos há anos, é em projetos
que possam ajudar a pensar um
país diferente, mais justo e socialmente responsável. E não se constrói um país assim sem mudanças
estruturais. Quanto a "Diários de
Motocicleta", também vejo o filme como a extensão de um trabalho iniciado há tempos. Por trás
da busca daquele pai(s), "Central
do Brasil" [1998" tentava mostrar
que o Brasil valia a pena, depois
do trauma do desgoverno Collor.
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