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MUNDO POP
Cantor fala sobre a conflituosa relação com os pais, seu namorado brasileiro e a amizade com a princesa Diana
Quarentão, George Michael expõe face oculta
JOHANN HARI
DO "INDEPENDENT"
O Club Tropicana está fechado,
e suas janelas, enferrujadas. Nos
anos 80, George Michael captou o
momento e o espírito de uma década hedonista quando cantou
sobre um clube onde "os drinques são de graça / Tem diversão e
sol para todo mundo". Hoje, porém, o vocalista e símbolo do
Wham! (shorts de seda, pele morena, dentes brilhantes) está morto, enterrado debaixo das ruínas
do lugar que tanto freqüentou.
Estou sentado com um George
Michael melancólico, de 40 e tantos anos, para conversar sobre um
documentário autorizado que foi
lançado sobre ele, "A Different
Story". É difícil enxergar aquele
rapaz do passado no homem de
hoje. Ele enxuga os olhos e diz:
"Pela primeira vez em muito tempo, não sinto medo do futuro".
A história começa há 42 anos
em Edgware, um dos lugares mais
médios da Inglaterra da classe
média. Georgios Kyriacos Panayiotou nasceu de pais cipriotas
conservadores que passaram de
campos de refugiados nos quais
seus sete filhos se espremiam
num só quarto para a situação de
proprietários de um restaurante
num subúrbio inglês. Em sua batalha para deixar a pobreza, a família morava no andar de cima de
uma lavanderia e trabalhava incessantemente. "O trabalho era
sua religião", conta. Na memória
sobre os pais, estes "viviam sempre exaustos. Trabalhavam sem
parar para nos fazer chegar até
onde queriam que chegássemos,
mas isso os fazia ser autoritários".
Sua mãe trabalhava 24 horas
por dia para criar dois filhos e
conciliar três empregos. Mas foi
seu pai quem se tornou alvo da
angústia existencial adolescente
de Michael. Para Jack Panos, o sonho de seu filho de virar cantor e
compositor era uma ilusão absurda, indulgência decadente de um
garoto nascido no Reino Unido e
que nunca tivera que trabalhar
duro. Além disso, dizia, o garoto
não sabe cantar. Não tem talento.
"Mas sabe de uma coisa? Muitas
pessoas que tiveram uma infância
desse tipo acabam se beneficiando disso", diz. "O fato de ter meu
pai como adversário me deu uma
ferramenta poderosa com a qual
trabalhar. Subconscientemente,
eu lutei contra ele até o ponto de
me tornar um dos músicos de
maior sucesso no mundo."
A luta com seu pai o levou até
Nova York, um álbum de platina
e um dueto com Aretha Franklin?
"Exatamente. De certa forma, é
uma boa coincidência possuir habilidade musical e, ao mesmo
tempo, falta de autoconfiança. É
uma espécie de deficiência que leva você a tentar avançar sem parar, como um louco."
Com 21 anos, George Michael,
com o Wham!, já tinha alcançado
um grau de riqueza que ultrapassava de longe as fantasias mais
exageradas de um cipriota dono
de restaurante. Com seu melhor
amigo de infância, Andrew Ridgeley, Michael ingressou num período do qual ele hoje se recorda
como sendo repleto de garotas
enlouquecidas, poses exageradas
e dentes inimaginavelmente
brancos. Mas foi no calor do
Wham! que se moldou um George Michael fictício, aquele personagem exibido do qual sentimos
saudade. Certa vez ele disse:
"Criei um homem -na imagem
de um grande amigo- que o
mundo podia amar se assim quisesse, alguém que seria capaz de
realizar meus sonhos e fazer de
mim um astro. Eu o chamei George Michael e, durante dez anos,
ele fez tudo o que lhe mandei fazer. Ele era muito bom nesse trabalho -talvez bom até demais".
No entanto, os vínculos humanos e avessos ao controle existentes entre Georgios Kyriacos Panayiotou e George Michael se recusavam a desaparecer. Pouco a
pouco Georgios se dava conta de
que por trás daquele holograma
heterossexual viril se ocultava um
homem gay e profundamente
confuso. "A depressão em que
mergulhei quando o Wham! chegava ao fim aconteceu porque eu
estava começando a entender que
não era bissexual, e sim gay."
Uma noite, durante um concerto no Brasil, ele viu "um sujeito
realmente lindo" no público. "Ele
estava distraindo minha atenção a
tal ponto que cheguei a evitar ir
para aquela ponta do palco." Mas,
depois do show, o sujeito, o estilista brasileiro Anselmo Feleppa,
foi para o camarim de Michael
-e transformou sua vida.
"É muito difícil sentir orgulho
de sua sexualidade quando ela
nunca lhe trouxe alegria, mas,
quando você encontra uma pessoa que realmente ama... não é tão
difícil assim", diz. "Anselmo rompeu minhas barreiras vitorianas e
me mostrou como viver realmente, como curtir a vida." Foi seu
primeiro relacionamento sexual
amoroso com um homem: "Eu já
transava por aí, mas tinha tão
pouca experiência com homens
que minha vida sexual era absurdamente inadequada para mim
-até conhecer Anselmo".
Mas, seis meses depois de iniciada a relação dos dois, Anselmo
descobriu que seu sangue estava
contaminado pelo HIV. A dor
amarga que o dominou levou Michael a fazer uma das melhores
performances de sua carreira,
quando ele fez o concerto em homenagem a Freddie Mercury ao
mesmo tempo em que Anselmo
começava a morrer. "Dá para
imaginar uma solidão maior do
que aquela? Tente imaginar que
você lutou contra sua própria sexualidade a ponto de ter perdido a
metade da sua vida dos 20 aos 30
anos. Finalmente você encontrou
o verdadeiro amor e, seis meses
mais tarde, ele é devastado. Em
1991, aquela era uma notícia apavorante. Pensei que eu também
poderia ter a doença. Não podia
falar disso com minha família
porque não sabia como -eles
não sabiam que eu era gay."
Um dia depois de Anselmo
morrer de hemorragia cerebral,
Michael, abalado, finalmente contou a seus pais que era gay.
A vida de Michael sempre tinha
sido pontilhada pela depressão,
mas foi apenas naquele momento, no início dos anos 90, que ele
mergulhou "num buraco negro e
muito fundo". Cometeu o erro
clássico do depressivo ao tentar se
aquecer com a ajuda de maconha
e ecstasy. No meio disso, Michael
divisou uma luz inesperada: Diana Spencer, a ex-futura rainha da
Inglaterra. "Nós nos entendemos
de uma maneira um pouco impalpável, que provavelmente tinha mais a ver com a maneira como tínhamos sido criados."
Não foi apenas uma amizade
platônica. "Houve certas coisas
que deixaram claro que ela sentia
uma atração grande por mim."
Quer dizer que Diana quis ter um
caso com ele? Michael sorri. Passou pela cabeça dele dormir com
ela? "Sabia que teria sido desastroso. Sinto-me culpado porque
ela realmente gostava de mim como pessoa, e eu tendia a evitar ligar para ela porque pensava que
ela devia ter tantas pessoas que a
procuravam por todas as razões
erradas. Presumia que seria intromissão ligar, quando, na verdade,
sabia que ela estava sozinha e adoraria ouvir uma voz de amigo."
Em 1998, Michael assumiu um
risco ainda maior: entrou num
banheiro público em Los Angeles
e tentou transar com um policial à
paisana, num acontecimento que
fez manchetes. "Não acho que
exista algo de inerentemente disfuncional em fazer sexo casual entre gays num banheiro público
-mas fazer isso como George
Michael?" comenta. "Até o momento de minha prisão, eu era totalmente ingênuo em relação ao
grau de homofobia que existe por
aí. Quando olho para trás, acho
que não há dúvida de que minha
carreira teria sido realmente prejudicada se eu tivesse assumido a
homossexualidade antes."
Michael acredita que está finalmente emergindo de sua década
de depressão. Está até começando
a aceitar que George Michael, o
ídolo pop fanfarrão, seja parte dele, sim. Quando falamos sobre o
presente, ele se reclina para trás,
seus ombros se distendem. Michael vai se casar com seu parceiro, Kenny Goss, um vendedor de
roupas esportivas, no Ano Novo.
Georgios Kyriacos Panayiotou
se despede com um abraço, e eu
saio de seu escritório para as ruas
de Londres, num clima de inverno. O Club Tropicana parece estar
muito, muito distante.
Tradução de Clara Allain
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