São Paulo, sábado, 27 de dezembro de 2008

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Palavra final

Conheça o caminho que um termo percorre para virar verbete de dicionário; a partir de 2009, "pré-sal" será um dos premiados

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Não bastasse o Novo Acordo Ortográfico, que entra em vigor a partir de 1º de janeiro, editores e lexicógrafos, profissionais responsáveis pela inclusão ou não de uma palavra num dicionário, têm de analisar expressões que pipocam, por exemplo, aqui, nas páginas de um jornal, ou acolá, na fala do povo.
Caso de duas contribuições recentes do governo Lula: "pré-sal", que designa a camada abaixo do leito do mar, em que foi achado petróleo. E a expressão "sífu", usada pelo presidente no início de dezembro, em discurso sobre a crise mundial.
Os três principais dicionários do Brasil -"Aurélio", "Houaiss" e "Caldas Aulete"- já cogitam incluir "pré-sal": "Certamente vai entrar no processo editorial se o governo passar a usar de forma institucional", afirma Emerson Santos, diretor-geral da divisão de livros e periódicos da editora Positivo, que edita o "Aurélio".
Já "sífu"-com acento agudo no "i", já que é paroxítona terminada em "u", como já ressaltou o professor Pasquale Cipro Neto, colunista da Folha- deve ficar de fora das atualizações. "Não é novidade, salvo na boca de um presidente. E dificilmente se encontra o registro exceto na fala", diz Paulo Geiger, editor da Lexicon, que publica o "Caldas Aulete". "Ainda estamos em dúvida, mas, sinceramente, acho difícil entrar."

Palavras cruzadas
Tanto "pré-sal" quanto "sífu" foram garimpadas em uma das principais fontes dos dicionaristas: a imprensa. Mas há outros nascedouros de verbetes. "Num dicionário com mais de 230 mil entradas como o "Houaiss", tudo importa: jornais, revistas, teses, bulas de remédios, literatura, de terminologia, obras científicas, internet etc.", diz Mauro Villar, diretor do Instituto Antonio Houaiss.
Já Paulo Geiger ressalta que o "Caldas Aulete" é muito "sensível à imprensa como criadora de neologismos", e que as novidades surgem de vários setores, como a culinária, a área de gestão, a economia, a tecnologia etc. Geiger cita o esporte como fonte de verbetes recentes como "cadeirante", que surgiu na segunda metade do século 20 com os Jogos Paraolímpicos. E até mesmo um estrangeirismo usado no tênis e no vôlei, o "ace", do inglês, que significa "saque sem defesa", em que o adversário não alcança a bola e é convertido em ponto.
"Vale ressaltar que não incluímos palavras estrangeiras quando existem correspondentes no português culto. Então não incorporamos "delivery" porque temos "entrega", nem "sale", porque temos "liqüidação'", diz Geiger, lembrando outra palavra do inglês já incorporada, o "software". "Os franceses têm "logiciel", mas nós não temos um equivalente."
Atento a outra importante fonte de neologismos, os autores renomados, o editor do "Caldas Aulete" conta que tem em sua "geladeira", no momento, uma expressão popular muito usada pelo escritor baiano João Ubaldo Ribeiro: "culhuda", que significa mentira, e o adjetivo dela derivado, "culhudeiro", que é mentiroso.

"Quarentena"
Há um tempo médio de "quarentena" até que novas palavras entrem nos dicionários. Para Villar, do "Houaiss", os dicionários devem ter novas edições -"e não reimpressões, mas edições de verdade"- num período entre cinco ou dez anos, para não se desatualizarem. Para Emerson Santos, o ideal são edições trienais.
"A editora tem um canal de abastecimento de palavras. A equipe de lexicógrafos recebe e elas ficam na "geladeira" de três a cinco anos, em média, tempo em que se consolida ou não no uso", diz Santos, que prevê para 2010 uma edição atualizada do "Aurélio", com novos verbetes.
Em todos os casos, a "quarentena" tem a função de evitar que palavras que estão apenas "na moda" sejam incorporadas.
"As palavras e acepções da língua informal levam um tempo um pouco maior para serem dicionarizadas, para sabermos se se trata de um caso de aparição evanescente ou de ocorrência que a língua realmente adotou e incluiu de modo duradouro", diz Mauro Villar.
Paulo Geiger, por exemplo, já se viu às voltas com modismos como "malufar" ou "collorir", referências ao ex-prefeito Paulo Maluf e o ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Não sendo mero modismo, o último passo é a redação. Segundo Villar, a nova palavra então "ganha a linguagem e gramática de exposição utilizada pelo dicionário". E "pré-sal", diz ele, entra sim.


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