São Paulo, sábado, 27 de dezembro de 2008

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Crítica/"Ontem Não te Vi em Babilónia"

Divagações costuram vidas em Lobo Antunes

FABRICIO VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor português António Lobo Antunes, 66, está longe de alcançar o prestígio que seu compatriota (e desafeto) José Saramago tem por aqui. Mas sua extensa obra vem aos poucos sendo editada no Brasil. Agora é a vez de "Ontem Não te Vi em Babilónia" (2006) chegar ao país.
Em uma interminável noite, entre sono e vigília, diferentes personagens ruminam inquietações, que se tornam mais delirantes à medida que a madrugada avança. Nessa torrente de pensamentos se arquiteta esse longo e denso romance.
Antunes, vencedor do Camões 2007, entre outros, diz que já não se preocupa em contar histórias e que sua ambição é "colocar a vida entre as capas de um livro". O romance que agora sai aqui ilustra bem isso.
O livro está dividido em seis capítulos, com cada um deles representando uma hora diferente. O primeiro se chama "Meia-noite", o segundo "Uma hora da manhã", e assim, sucessivamente, até o que começa às 5h. Cada capítulo se subdivide em quatro partes, com um narrador diferente em cada uma.
Nesse painel de narradores, três irão se destacar e retornar em cada capítulo: Ana Emília, Alice e seu marido, um ex-funcionário da Pide -a polícia política portuguesa que assombrava no período salazarista.
Uma cena fundamental é o suicídio da filha de Ana Emília, que, aos 15, enforcou-se no quintal enquanto a esperavam para jantar -uma boneca ao pé da árvore foi a única testemunha. Ao leitor, apenas passagens serão oferecidas, na voz de diferentes personagens, para compor o trágico momento.
A partir das falas (ou divagações?) dos personagens, são dados pontos que os unem, mesmo que suas visões sobre os temas sejam divergentes. A obra se desenvolve em torno de um núcleo: todos estão sós e pouco se pode fazer para mudar isso.
Cada personagem surgirá sozinho em sua cama. Ninguém levantará ou falará com o outro.
Enquanto cães uivam, Alice pensa no filho que nunca teve e repete: "Não sou uma pessoa interessante. Não me aconteceram coisas interessantes". No quarto ao lado, o marido rememora as sessões de tortura de presos e a amante que visitava em Lisboa, e questiona: "Por que casei contigo?". Para Ana Emília, as divagações incluem a espera do amante que já não a procura, a aparição do pai após longos anos sem contato e a filha dependurada na árvore.
Antunes não faz concessões.
Sua escrita desliza de forma muito particular, com períodos interrompidos e inacabados, intromissões em itálico e obsessivo uso de parênteses -traços que podem causar certo desconforto aos desavisados.


ONTEM NÃO TE VI EM BABILÓNIA
Autor: António Lobo Antunes
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 49,90 (440 págs.)
Avaliação: ótimo



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