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Crítica/"Ontem Não te Vi em Babilónia"
Divagações costuram vidas em Lobo Antunes
FABRICIO VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O escritor português António Lobo Antunes,
66, está longe de alcançar o prestígio que seu compatriota (e desafeto) José Saramago tem por aqui. Mas sua extensa obra vem aos poucos sendo editada no Brasil. Agora é a
vez de "Ontem Não te Vi em Babilónia" (2006) chegar ao país.
Em uma interminável noite,
entre sono e vigília, diferentes
personagens ruminam inquietações, que se tornam mais delirantes à medida que a madrugada avança. Nessa torrente de
pensamentos se arquiteta esse
longo e denso romance.
Antunes, vencedor do Camões 2007, entre outros, diz
que já não se preocupa em contar histórias e que sua ambição
é "colocar a vida entre as capas
de um livro". O romance que
agora sai aqui ilustra bem isso.
O livro está dividido em seis
capítulos, com cada um deles
representando uma hora diferente. O primeiro se chama
"Meia-noite", o segundo "Uma
hora da manhã", e assim, sucessivamente, até o que começa às
5h. Cada capítulo se subdivide
em quatro partes, com um narrador diferente em cada uma.
Nesse painel de narradores,
três irão se destacar e retornar
em cada capítulo: Ana Emília,
Alice e seu marido, um ex-funcionário da Pide -a polícia política portuguesa que assombrava no período salazarista.
Uma cena fundamental é o
suicídio da filha de Ana Emília,
que, aos 15, enforcou-se no
quintal enquanto a esperavam
para jantar -uma boneca ao pé
da árvore foi a única testemunha. Ao leitor, apenas passagens serão oferecidas, na voz de
diferentes personagens, para
compor o trágico momento.
A partir das falas (ou divagações?) dos personagens, são dados pontos que os unem, mesmo que suas visões sobre os temas sejam divergentes. A obra
se desenvolve em torno de um
núcleo: todos estão sós e pouco
se pode fazer para mudar isso.
Cada personagem surgirá sozinho em sua cama. Ninguém levantará ou falará com o outro.
Enquanto cães uivam, Alice
pensa no filho que nunca teve e
repete: "Não sou uma pessoa
interessante. Não me aconteceram coisas interessantes". No
quarto ao lado, o marido rememora as sessões de tortura de
presos e a amante que visitava
em Lisboa, e questiona: "Por
que casei contigo?". Para Ana
Emília, as divagações incluem a
espera do amante que já não a
procura, a aparição do pai após
longos anos sem contato e a filha dependurada na árvore.
Antunes não faz concessões.
Sua escrita desliza de forma
muito particular, com períodos
interrompidos e inacabados,
intromissões em itálico e obsessivo uso de parênteses -traços que podem causar certo
desconforto aos desavisados.
ONTEM NÃO TE VI EM
BABILÓNIA
Autor: António Lobo Antunes
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 49,90 (440 págs.)
Avaliação: ótimo
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