São Paulo, segunda-feira, 28 de janeiro de 2002

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LITERATURA

Álbum de Jô Oliveira põe rei português contracenando com Lampião

D. Sebastião volta aos sertões, em quadrinhos

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Dom Sebastião, el-rei que tomou sumiço na sangrenta batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, nas terras do Marrocos, está de volta, com todos os enfeites e símbolos da heráldica, para tomar conta de um utópico arraial nos sertões.
A descida do venturoso está no álbum "A Guerra do Reino Divino", a HQ de Jô Oliveira, 57, desenhista paraibano que mora em Brasília, onde, entre outras artes, bola selos para os Correios.
No mundo dos beatos e cangaceiros, dom Sebastião promove, com a possibilidade do eterno retorno, a "nova Meca", lugar de fartura, abrigo e sombra das almas penadas do semi-árido.
O reino da bonança não vive só de trabalho e orações, tem também, nos seus arredores, bailes animados por Lampião. "Agora basta de tiros! Vamos nos divertir um pouco. Há dias que não arrastamos os pés", conclama o valente, antes do forró pesado.
Mas não pensem que rei do cangaço é calouro em HQ. A editora Hedra, a mesma que lança o álbum de Jô Oliveira, publicou "Lampião - Era o Cavalo do Tempo Atrás da Besta da Vida", do cearense Klévisson, repórter-cordelista (leia texto ao lado).
O italiano Hugo Pratt também pôs o seu bravo Corto Maltese, estrangeiro na terra em que também se mata por conta do sol na vista, na caatinga com Lampião. A aventura se chama "Samba com Tiro Certeiro" -daí Chico Science & Nação Zumbi samplearam o título da música "Maracatu de Tiro Certeiro".
Voltemos com dom Sebastião. Em carne e osso, embora pareça uma visagem aos olhos incandescentes dos sertanejos, "Ele" surge para enfrentar a besta-fera e todas as danações que aperreiam o juízo do povo das margens.
El-rei comanda o exército divino, mas, como nos arraiais outros, a besta-fera, com trajes republicanos e balas modernas, faz um estrago nas carcaças dos penitentes. Dom Sebastião perde mais uma e some do mapa.
A segunda história do álbum segue a mesma saga sebastianista: "O Massacre da Pedra Encantada". Tem sotaque mais didático, para apresentar a geografia da fome, mas larga a trilha mitológica de lampiões justiceiros, belzebus que alugam almas a preço de um pote d'água e outras imagens que ajudaram a inventar o que tomamos como Nordeste.
O reino movido pela crença em dom Sebastião narrado por Jô Oliveira já existiu em muitas ocasiões. Na favela de Antonio Conselheiro, no Caldeirão de Santa Cruz do Deserto (encostas da chapada do Araripe), na irmandade do Bom Jesus da Pedra, n'A Pedra do Reino e outras Canudos.
Na Ilha dos Lençóis, Maranhão, perto das praias cujas areias serviram de cenário para aparição recente de personagem da novela "O Clone" -e merchandising do governo Roseana Sarney-, el-rei de Portugal toma forma de touro negro, com estrela na testa.


A GUERRA DO REINO DIVINO. De: Jô Oliveira. Editora: Hedra. 48 páginas. Preço não definido.


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