São Paulo, sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

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CRÍTICA TEATRO

"Nãotemnemnome" é boa proposta, mas decepciona na realização cênica


HÁ UMA ANEMIA DE LINGUAGEM CÊNICA QUE PARECE CONSEQUÊNCIA DA DIFICULDADE EM LEVAR A CABO A PROPOSTA


LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

A vida contra o teatro. "Nãotemnemnome" não é um peça propriamente. Nomeia-se assim para facilitar o trânsito com o público.
Ambiciona ser uma experiência que coloque seus espectadores diante da fina e inominável matéria que a existência abriga. Infelizmente, as nobres intenções tropeçam na dura realidade e não se concretizam.
O jovem dramaturgo e antiencenador Emanuel Aragão propõe um jogo curioso. Seu coletivo recepciona previamente aqueles dispostos a colaborar, submetendo-os a um questionário que combina questões banais, como as preferências sexuais e gustativas, às metafísicas, como os medos fundamentais e as memórias.
Numa segunda parte as histórias coletadas se imbricam às dos próprios atores e conformam uma dramaturgia. É como se o material de que muitos grupos contemporâneos partem para construir espetáculos fosse à cena em bruto. Os atores, despidos de personagens, supostamente não fingem e se mostram como são.
Bom projeto, realização decepcionante. A densidade sugerida nas entrevistas não se confirma. A devolutiva é rasa e diplomática, revestida de uma afetada despretensão em afetar.
Desenrola-se ao longo de mais de duas horas, estruturada em depoimentos "sinceros" de quatro atores -mediados pelo próprio diretor- sempre recordando histórias pessoais e familiares ou lendo e cantando trechos favoritos de livros e discos. A simpática recepção ao público, regada a drinks e petiscos, não evita o vazio que se intensifica quando se nota não haver muito a oferecer além da conversa informal.
Mesmo o momento culminante, em que dois atores sugerem improvisar um jogo da verdade, soa falso, e por mais singelas ou patéticas que sejam as narrativas, perdem-se indiferenciadas na impostada decisão de não encenar.
A recusa ao teatro em busca de uma autenticidade perdida é interessante em si. Mas ela não se consuma de fato e tudo se equilibra num arranjo medíocre de idiossincrasias pós-adolescentes, travestidas de profundidade existencial.
Há uma anemia de linguagem cênica, que não parece proposital e sim consequência da dificuldade em levar a cabo a proposta.
Seria injusto desqualificar completamente "Nãotemnemnome". Tem lampejos instigantes e revela um autor em busca de um bom destino ao seu talento.
É impossível, contudo, não reconhecer que, mesmo sem descarrilar, o bonde ficou no meio do caminho. A vida é mais em baixo, ou o teatro é mais em cima.

NÃOTEMNEMNOME

QUANDO qua. a sáb., às 20h30; até 19/2
ONDE Sesc Pompeia (r. Clélia, 93; tel. 0/xx/11/3871-7700)
QUANTO R$ 3 a R$ 12
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO regular


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