|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Filosofia para viagem
Em "A Arte de Viajar", Alain de Botton passeia
pela vida cotidiana com malas e pensadores
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele não tem a varinha de condão do pequeno Potter nem as habilidades peregrinas do alquimista Coelho, mas conseguiu façanhas editoriais dignas de mestre
Houdini. Apostando em gêneros
como filosofia, ensaio e alta literatura, não necessariamente blockbusters, o suíço-britânico Alain
de Botton virou, ainda com menos de 30 anos, uma estrela internacional do universo dos livros.
A história começou em 1993,
quando o jovem franzino e careca
publicou "Ensaios de Amor",
mistura de romance com ensaísmo light que logo estourou no
Reino Unido e resto do globo.
Amor e suas histórias cotidianas
seriam a tônica daí em diante.
Com esse papel celofane, embalou de Sêneca a Proust, de Montaigne a Nietszche, para viagem.
E viagem é o tema da última
cruzada do escritor. Em "A Arte
de Viajar", que a editora Rocco
lançou recentemente no Brasil,
Botton, 34, volta ao mesmo mix
- biografias e idéias de grandes
nomes da história artística e intelectual + doses cavalares de vida
cotidiana (com cada um de seus
detalhes mais banais).
Nesse trabalho, lançado na Inglaterra em 2002, o ensaista escalou desde pintores como Van
Gogh ou Hopper até o bíblico Jó e
o cientista natural Humboldt para
discutir questões como "o que é
exótico", "como administrar a diferença entre nossas expectativas
pré e durante uma viagem", "o
que é o exótico ou o sublime".
Cabem nessa expedição desde
longas reflexões sobre uma placa
do aeroporto de Amsterdã até
uma pensata relativa ao amor que
Flaubert tinha por camelos -tudo ilustrado com imagens de
grandes pintores ou com fotos
toscas tiradas pelo próprio autor.
É sobre essa trajetória de turista
acidental que Alain de Botton,
que tem seus seis livros publicados com sucesso no Brasil, falou
com a Folha.
Em entrevista por e-mail, de
Londres, o escritor de 34 anos falou sobre sua admiração incondicional por aeroportos e aviões ("A
decolagem de um 747 continua
para mim uma das coisas mais
bonitas que eu já vi"), comentou a
adequabilidade dos quartos de
hotéis para reflexões filosóficas e
adiantou detalhes do livro "Status
Anxiety", que ele está lançando
nesta semana na Inglaterra. Leia
trechos a seguir.
Folha - No segundo ensaio do livro você conta que costumava visitar o aeroporto de Heathrow quando estava triste. Com que freqüência você faz isso e por que?
Alain de Botton - Para mim, aeroportos são um lugar particularmente instigantes. Eles nos oferecem um maravilhoso vislumbre
do que, na falta de uma expressão
melhor, eu chamaria de "o mundo moderno", em toda a sua glória tecnológica. A decolagem de
um boeing 747 continua para
mim uma das coisas mais bonitas
que eu já vi até hoje.
Folha - Quem é o viajante mais sábio da história?
Botton - Eu sempre admirei o
ensaísta Michel de Montaigne,
que foi para a Itália e a Suíça no século 16. Ele era muito consciente
com relação ao modo como pessoas e hábitos mudam ao passo
que se muda de região.
Folha - Quais as principais diferenças do viajar nos tempos de
Montaigne e na era globalizada?
Botton - Os viajantes do passado
tinham uma grande vantagem sobre nós. Eles sentiam que viajar
era especial e escreveram sobre
essas experiências com seriedade
e autenticidade. Eu realmente não
acho que as principais atrações do
ato de viajar tenham mudado
muito do ponto de vista psicológico. Claro, hoje é mais fácil chegar
a diferente lugares, mas o que
acontece em nossas mentes quando viajamos não é diferente agora
do que há cem anos.
Folha - Você escreve que muitas
vezes é mais fácil para alguém conhecer a si mesmo em um quarto
de hotel ou em outros "não-lugares" do que em sua própria casa.
Por que o melhor contra-exemplo
disso, o seu "amigo" Marcel Proust,
não foi contemplado entre os autores que você usa como "guias"?
Botton - Tendo escrito um livro
inteiro sobre Proust achei que seria um pouco exagerado usá-lo
outra vez. De qualquer forma,
uma das melhores coisas possíveis da leitura é que você sempre
tem consigo a influência dos escritores que você amou. Assim,
por trás de "A Arte de Viajar" está
claramente a sombra de Proust.
Texto Anterior: Programação Próximo Texto: Frase Índice
|