São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 2005

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"O AMIGO OCULTO"

Apesar de jogo cinematográfico, suspense falha no desenlace

PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A pergunta que não quer calar: por que a Fox valoriza tanto a manutenção do segredo sobre o final de "O Amigo Oculto" (suspense que estreou na última sexta-feira)? Isso faz aumentar ainda mais o interesse pelo de- senlace, que é horrível, meio uma mordida no próprio rabo que John Polson faz com as brincadeiras e importações cinematográficas que surgem desde o primeiro plano do filme. Um grande jogo que no final prega uma tremenda peça em cima do espectador.
Temos no prólogo os grandes olhos da garotinha protagonista, Emily (Dakota Fanning), assistindo ao céu e às coisas do mundo no brinquedo de um parque. Imagem-resumo que diz estarmos em exercício de cinema puro, olhando para uma brincadeira de imagens e sons engendrada pelo diretor. Que é, aliás, ainda maior quando estamos no gênero do terror/suspense, onde há um jogo de esconder evidências e sugerir outras. Não é por menos que a grande brincadeira de Emily seja a de esconde-esconde.
É isso que ela brinca com sua mãe (Amy Irving) antes desta se suicidar numa banheira. O pai, David (Robert De Niro), flagra a tragédia, assim como a menina, com seus olhos enormes, azuis e atônitos, emoldurados por olheiras que parecerão aumentar a cada minuto avançado da história. O viúvo decide se mudar com a filha para um lugar retirado a fim de apagar, ou pelo menos superar, o evento. Irão, bem à maneira do suspense, para uma casa de campo enorme, cheia de cômodos, escadas e até quarto escondido, meio como um jogo.
Mas o diretor Polson não se encanta em mostrar todos os espaços, nem a vastidão da floresta que envolve o casarão. A câmera trabalha em fragmentos, fica atrás de persianas de portas, segue solenemente pelos espaços, meio procurando coisas e escondendo outras. Ela não entra, por exemplo, na gruta na qual Emily sairá outra, na verdade acompanhada de um tal Charlie, alguém que a faz dizer coisas horrendas para o pai. Não sabemos quem é Charlie, se de carne e osso, espírito ou pura fantasia da garota. David e uma amiga, ambos psicólogos, crêem que ele seja um instrumento para a filha culpar alguém pela tragédia. Na verdade, Emily é quem será instrumento para sabermos algo sobre Charlie, que também brinca de esconder e que traz novos acontecimentos sinistros à casa, além de verdades à tona.
A bonitinha criança Emily, ponte entre Charlie e o mundo apresentado na tela e fora dela, vai se tornando enfim uma figura igualmente sinistra, com semblante quase malévolo, e que parece saber mais coisas que nós e os outros personagens. Ela, como seu esconde-esconde, é como se fosse uma narradora-onisciente, que sabe qual é a regra do jogo dos acontecimentos.
E John Polson, cineasta-cinéfilo, tem domínio sobre o filme, explicitando seqüestros cinematográficos, como o carro, que, visto por cima, percorre a artéria sinuosa da estrada ("O Iluminado"), um plano remetendo à janela acesa na casa de "Psicose", uma trilha que mimetiza "O Bebê de Rosemary" e até, a horas tantas, um corpo boiando em água parada como a morte epíloga de "A Marca da Maldade". Uma ótima artimanha cinematográfica, portanto. E daí, uma nova pergunta: depois deste filmar de Polson, precisamos mesmo de uma baita conclusão na trama?


O Amigo Oculto
Hide and Seek
  
Direção: John Polson
Produção: EUA, 2005
Com: Robert de Niro, Dakota Fanning, Famke Janssen e Elisabeth Shue
Quando: nos cines Bristol, Interlagos, Lapa e circuito


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