|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Hip hop nas telas
50 Cent, astro do gangsta rap que teve passado criminoso, inspira e estrela "Get Rich or Die Tryin"
STÉPHANE DAVET
DO "LE MONDE"
Astro do hip hop americano
desde 2003, ano em que saiu seu
primeiro álbum, "Get Rich or Die
Tryin'", Curtis Jackson -o nome
real de 50 Cent- já vendeu mais
de 20 milhões de álbuns. Este nova-iorquino de 30 anos, lançado
pelo rapper Eminem e o produtor
Dr. Dre, encarna a vitalidade do
gangsta rap, um estilo que glorifica o modo de vida dos pequenos
criminosos do gueto.
Seguindo o exemplo de outros
grandes nomes do hip hop, 50
Cent, à frente de sua empresa G-Unit, multiplica seu sucesso musical em uma multidão de produtos derivados: roupas, calçados,
videogames e, agora, um filme. O
artista faz o papel principal de
"Get Rich or Die Tryin'", dirigido
pelo irlandês Jim Sheridan. Trata-se de uma ficção inspirada em
parte na vida do garoto nascido
em Jamaica, bairro pobre do
Queens, em Nova York, que, após
o assassinato de sua mãe, traficante de crack, cresceu em meio
ao universo das gangues e passou
por tiroteios e pela prisão antes de
tornar-se milionário do rap.
Pergunta - Até que ponto o filme
"Get Rich Or Die Tryin", no qual você faz o papel principal, é fiel à sua
biografia?
50 Cent - O filme é 70% verdadeiro, especialmente a parte que
fala de minha infância. Terrence
Winter, o roteirista, veio falar comigo muitas vezes para reunir informações sobre minha vida.
Pergunta - Não é doloroso mergulhar nessas recordações?
50 Cent - É mais terapêutico do
que doloroso. Isso me permitiu
tomar mais consciência daquilo
que vivi. Assistindo ao filme, as
pessoas vão entender melhor o
que eu coloco de mim mesmo em
minha música. Quando me perguntam sobre meu passado, as
pessoas me acusam de não ter
compaixão ou remorso. Mas eu
cresci naquele ambiente, as coisas
me foram impostas antes que eu
pudesse optar.
Nunca conheci meu pai. Minha
mãe tomou um rumo errado para
me sustentar. Ela me teve aos 15
anos e morreu aos 23, quando eu
tinha oito anos. Eu já tinha me
adaptado àquilo ao qual ela me
condicionou. Após a morte de
minha mãe, fui ver as pessoas
com quem ela andava, pessoas
que não tinham problemas de dinheiro. Essas pessoas me compravam sapatos e coisas bonitas.
Quando me deixaram começar a
traficar, acharam que estavam me
fazendo um favor ainda maior.
Para elas, isso me daria mais autonomia financeira. Em vez de passar anos estudando, de tentar pagar meus estudos para então encontrar um trabalho de merda, eu
podia continuar a viver no bairro
e, depois de alguns meses, sonhar
com Mercedes-Benz e BMWs.
Pergunta - Quais eram os símbolos do sucesso, para você?
50 Cent - Roupas, jóias bonitas,
carros. Passei tanto tempo olhando coisas que eu não tinha como
comprar... A casa dos meus avós
era o bem mais precioso que minha família jamais teve. Ela valia
US$ 100 mil. Hoje tenho carros
que valem o dobro disso no estacionamento da minha casa.
Pergunta - Que diferença existe
entre Curtis Jackson e 50 Cent?
50 Cent - 50 Cent é todo agressividade. O meio do hip hop é tão
competitivo que você não pode
deixar transparecer nenhuma
vulnerabilidade. Mas a vida sempre foi assim para mim. No filme,
o momento que eu mais temia era
a cena em que tinha que chorar. É
claro que tenho emoções, mas
aprendi a enterrá-las. No lugar de
onde venho, se você demonstra
seu lado fraco, você é vítima.
Pergunta - Em suas canções e no
gangsta rap de modo geral, muitas
vezes é difícil diferenciar o que é
realismo do que são desvarios
hollywoodianos.
50 Cent - Quando você lança um
álbum comercial, você quer que
ele agrade a todos. Para isso é preciso uma proposta mais geral,
uma arte da encenação, da amplificação. Sou muito eficiente em
criar uma música que enlouqueça
os caras do meu bairro. Eles querem ouvir uma música agressiva,
porque o ambiente do bairro é assim. A maioria das minhas músicas é baseada na realidade, dentro
da linha daquilo que vivi, da violência que conheci. A maioria dos
rappers não pode dizer o mesmo.
Eles acham que têm credibilidade
por usarem a gíria das ruas. Eles
imitam aquilo do qual têm medo.
Se você já esteve preso, você geralmente evita falar disso. Não existe
nada pior do que estar em cana.
No lugar de onde eu venho, se
você andar na rua fazendo pose
de assassino ou bandidão, geralmente vai acabar sendo apagado.
Pergunta - Parece que a vida dos
rappers é igualmente perigosa. Você muitas vezes anda com colete à
prova de balas. É porque você já foi
alvo de ameaças?
50 Cent - Quando você vem lá de
baixo, seu sucesso provoca dois
tipos de reação nos outros: podem se inspirar em você ou sentir
inveja. Eu ando de colete à prova
de balas porque já atiraram em
mim. É um reflexo, como aquele
da pessoa que sofre um acidente
de automóvel e depois passa a
usar o cinto de segurança.
Pergunta - Você acredita no sonho americano?
50 Cent - Mas eu sou o sonho
americano! Se você não acredita
em você mesmo, quem vai acreditar? A pobreza tem que lhe dar
uma motivação a mais. Eu comecei do nada, o rap me salvou, e eu
compreendi que o interesse despertado pela música podia se estender para várias outras atividades. Delego responsabilidades,
mas sou o patrão. Ninguém deve
atrasar o processo de progressão.
Senão, como vai poder competir
nessa corrida?
Pergunta - No gangsta rap, são
constantes as referências à atividade dos cafetões ("pimps"), e as mulheres muitas vezes são tratadas
como "cachorras" ou "vadias"
("bitch"). O que justifica esse machismo?
50 Cent - As garotas não hesitam
em tratar-se de "bitch" entre elas e
a rir disso. Agora, se um sujeito
mexe com uma mulher na rua e a
chama de "bitch", então está faltando com o respeito. Tudo depende do contexto. O rock talvez
fale de putas e cafetões menos do
que faz o rap, mas isso não impede os roqueiros de recorrer a elas e
eles quando estão em turnê. Se eu
falo disso é porque tenho que
mostrar todos os detalhes do
meio ambiente.
Pergunta - Você se enxerga como
exemplo?
50 Cent - Meu sucesso deve ser
um exemplo, mas não o que digo
nas minhas canções. Como artista, tenho que ter a liberdade de escrever o que eu quiser, sem me
preocupar com o teor moral.
Digo algumas coisas pelo prazer
de chocar. Isso tem o mesmo valor que uma cena de ação no cinema. Faço isso para dar maior efeito aos meus discos. Se um menino
não entende, cabe a seus pais explicar o sentido a ele.
Tradução Clara Allain
Texto Anterior: Programação Próximo Texto: Saiba mais: Biografia tem elementos de filme policial Índice
|