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CONTARDO CALLIGARIS
Será que era só isso?
Nos últimos anos, subiu
o índice de suicídio
na população entre 40
e 64 anos. Por quê?
O "NEW YORK Times" de 19 de
fevereiro publicou os resultados de uma pesquisa dos
Centers for Disease Control and
Prevention dos EUA (centros para
controle e prevenção das doenças).
A pesquisa mostra que, de 1999 a
2004, na população entre 45 e 54
anos de idade, o índice de suicídios
aumentou, em média, 20% (31% entre as mulheres).
No mesmo período, os suicídios
de adolescentes aumentaram 2% e
os de pessoas idosas diminuíram.
Em 2004, nos EUA, 32 mil mortes
foram oficialmente atribuídas a suicídio. Ampliando a faixa da meia-idade, constata-se que, dessas mortes, mais de 14 mil são de pessoas entre 40 e 64 anos.
Segundo o "New York Times", o
fenômeno não seria apenas americano: um estudo recente aponta
que, em 80 países, as pessoas de
meia-idade são as menos "felizes".
As explicações são hipotéticas.
Por exemplo, no que concerne às
mulheres, desde 2002, diminuiu
fortemente o uso da reposição hormonal na menopausa. Talvez o déficit de estrógeno tenha efeitos depressivos diretos ou indiretos.
Também observa-se que pessoas
de meia-idade são grandes consumidoras de antidepressivos. Talvez um
uso vacilante dessa medicação (com
interrupções brutais sem acompanhamento psiquiátrico) seja responsável por momentos de aflição
irresistível. Mas é mais provável
que, no caso, o consumo de antidepressivos seja apenas prova suplementar de que as pessoas dessa idade são especialmente "vulneráveis".
Em suma, resta a pergunta: o que
acontece, entre os 40 e os 64, que levaria ao suicídio mais indivíduos do
que em outras faixas etárias?
Sabemos que as adversidades desesperam os adolescentes porque
eles têm dificuldade em enxergar
um futuro possivelmente diferente.
E imaginamos com facilidade que as
enfermidades e o sentimento do fim
que se aproxima possam levar alguns idosos a precipitar o desfecho.
Mas adultos na plena força da vida?
É claro, a meia-idade é a época em
que os executivos que perdem seu
emprego ficam no limbo -demasiado qualificados e já "velhos" para
retomar sua carreira. Mas, nos
exemplos trazidos pelo "New York
Times", os suicidas de meia-idade
não parecem ser vítimas de crises
profissionais.
Algumas observações:
1) Nas últimas décadas, mesmo
nas fileiras de quem acredita em
Deus ou na revolução futura, vem se
impondo a vontade (ou a necessidade) de justificar a vida "por ela mesma". As aspas servem aqui para lembrar que ninguém sabe o que isso
significa. Alguns pensam nos prazeres que eles se permitem, outros na
satisfação de serem úteis ao próximo, outros ainda avaliam a qualidade estética de sua história ou valorizam a variedade e a intensidade de
suas experiências. Seja como for, a
vida deveria valer a pena pelo que a
gente faz, pela própria experiência
de viver.
2) Acrescente-se que, a partir dos
anos 60, os adultos de nossa cultura
começaram a se preocupar com a
adolescência -ou seja, entre outras
coisas, passaram a querer furiosamente que suas crianças se preparassem para elas serem "felizes" um
dia (em todos os sentidos: sucesso
amoroso e financeiro, êxtase, bom
humor permanente).
3) Chegam hoje à meia-idade as
gerações que cresceram esperando
uma "felicidade" que daria sentido à
longa "preparação" de sua adolescência e convencidas de que a vida
deve se justificar por ela mesma. Os
que fracassaram têm sorte: eles podem se dizer que a coisa não deu certo. Os que se acham bem-sucedidos
esbarram, inevitavelmente, numa
questão inquietante: "Então, é isso?
Era só isso?".
Estreou na sexta passada "Antes
de Partir", de Rob Reiner, com Jack
Nicholson e Morgan Freeman. É a
história de dois homens que aprendem que eles têm seis meses de vida,
escrevem uma lista das coisas que
gostariam de fazer antes de morrer e
saem pelo mundo afora. Alguns críticos adoraram, outros acharam que
os atores não salvam um roteiro em
que as últimas vontades dos protagonistas parecem oscilar entre a obviedade (beijar a moça mais linda,
pular de pára-quedas, fazer um safári) e a pieguice (reencontrar os que a
gente ama de verdade, causar alegria
na vida dos outros etc.).
Para mim, é a própria trivialidade
da lista dos dois amigos que faz o
charme do filme. Na hora de bater as
botas, diante da pergunta "Que mais
poderia ter sido minha vida?", é tocante constatar que, no fundo, gostaríamos que tivesse sido mais do
mesmo.
ccalligari@uol.com.br
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