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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
Bravo, Paavo! Bela Beth! Uma grande temporada finlandesa da Osesp
ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Foram duas semanas de nomes difíceis (Batiashvili, Paavo, Poles, Koussevitzky) e música
fácil (de ouvir, não de tocar). O regente convidado Paavo Berglund
fez a Osesp tocar tão bem quanto
sabe, o que não é pouco, e em alguns momentos fez a orquestra
tocar também como não sabia, o
que é muito mais. Ganhou o respeito de todos ao cancelar a apresentação da "Sinfonia nš 8" de
Shostakovich, porque a partitura
enviada pela editora Schirmer estava cheia de erros, e regeu um
lindo Brahms no lugar. Deixou
São Paulo falando bem da orquestra, que ficou falando bem dele.
O septuagenário regente canhoto da Finlândia é a própria imagem da experiência. Fogos nórdicos queimam a frio; mas é uma
emoção e tanto escutar Beethoven ou Schubert traduzidos para
as noites brancas e auroras sem
fim. Os violinos, em particular,
ganham outro tom, especialmente nas notas longas e agudas, que
ficam mais agudas e longas e parecem mais azuladas que de hábito. Encantamento e fogo ficaram
por conta da violinista Elisabeth
Batiashvili, solista do "Concerto
para Violino e Orquestra" de Beethoven (1772-1827), no sábado retrasado. Ao final do "Concerto", a
platéia gritou "bravo!", mas era
como se tivesse urrado "gol!" -e
não era para menos. Aos 21 anos
de idade, a musa da Geórgia parece a um passo de cruzar aquela
fronteira indecifrável que separa
o mero grande talento da fama
universal (mais contratos, vídeos,
glória, vestidos e fortuna).
Do início ao fim, Batiashvili tocou com um sentido impressionante do que queria de Beethoven
e do que quer de si. Seja na ação de
graças do segundo movimento,
seja nas cadências de "Allegro" e
de "Rondó", que interpreta com
ímpetos de roqueira, ela faz do
despojamento uma contrapartida
do virtuosismo. Toca tudo com
facilidade, mas tem a elegância de
não fazer parecer fácil. Com seu
violino Gagliano, encheu a sala de
Beethoven.
Já que falamos em vestidos: oxalá o vestido dela, não só o violino,
fosse Gagliano. Mas a estranha
maldição que castiga as musicistas do mundo inteiro continua vigente. Exceção honrosa para o
naipe de violoncelos da Osesp.
Que aliás esteve muito bem na
"Sinfonia nš 9" de Schubert (1797-1828). É pena não haver espaço
para falar desse Schubert, regido
com fluência por Berglund. Vale
anunciar que poderá ser visto de
novo, no dia 13 de maio (às
22h30), quando estréia uma série
mensal da Osesp na TV Cultura.
Começar o segundo programa,
no sábado passado, com a "Abertura Trágica" de Brahms (1833-97) parecia uma piada, depois do
desastre com a partitura de Shostakovich. Resposta da orquestra:
esqueça, escute o decrescendo incrível antes da recapitulação, com
Ricardo Bologna mostrando de
que servem os tímpanos, e veja os
acentos de melancolia nos clarinetes em terças, nas flautas, no pizicato das cordas. A Osesp gosta
de Brahms.
Ana Valéria Poles, spalla dos
contrabaixos, há muito merecia
solar um concerto. A dificuldade é
que, tirando Bottesini e Dittersdorf, que não são exatamente
obras-primas, não sobra quase
nada. Sobra Sergei Koussevitzky
(1874-1951), honrada figura da
música do século 20, mecenas de
vários compositores, regente da
Sinfônica de Boston, criador do
Festival de Tanglewood, professor de Bernstein e Eleazar de Carvalho, entre outros, ex-contrabaixista e compositor de um pobre
concerto para contrabaixo e orquestra de 1905.
Estranho pensar nessa música
como a de um dos maiores apóstolos da música moderna. Começa como Tchaikovsky, prossegue
como Glinka, termina sem ser de
ninguém. A acústica é implacável
com o contrabaixo, por menor
que seja a orquestra acompanhando. Ana Valéria passou a
maior parte do concerto mergulhada nos altos da primeira corda,
a aranha da mão numa ginástica
complexa. Se faltou música, não
foi culpa dela. A platéia a aplaudiu
por quem é e redobrou os aplausos no Piazzolla do bis.
A temporada finlandesa encerrou-se com a "Sinfonia nš 4" de
Brahms. Era a predileta de
Schoenberg, que admirava em especial o jogo de permutações de
intervalos, ao longo do primeiro
movimento -uma engenharia
sofisticada, mas que jamais deixa
de comover até o ouvinte mais
inocente. (Só do ponto de vista
técnico, porque Brahms não é para os inocentes de espírito.)
Momento lindo: o sóbrio coral
dos trombones no último movimento. Outro: o grande tema dos
violoncelos, no "Andante".
Paavo Berglund fez da "Quarta"
uma grande demonstração da
ciência do contratempo. Notas e
notas que caem no tempo trocado, a orquestra oscilando entre
superfície e fundo, como se as
ambiguidades da expressão encontrassem uma figura material.
Um último comentário. Ainda
há quem ponha em dúvida a
acústica da Sala São Paulo. Mas
quem assistiu a esses concertos do
mezanino, a alguns milhares de
metros do palco, pode testemunhar como é bonita a orquestra
vista do alto e como soa bem. A
gente fica pequeno lá em cima,
mas a orquestra fica ainda maior.
A música é de arrepiar.
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