São Paulo, quarta-feira, 28 de março de 2001

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DVD

"Rebecca", "Agonia de Amor", "Interlúdio", "Correspondente Estrangeiro" e "Quando Fala o Coração" chegam às lojas

Filmes delineiam primeiros passos de Hitchcock

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

É só o começo: a caixa com "Rebecca", "The Paradine Case", "Notorious", "Spellbound" e "Foreign Correspondent" abre uma grande ofensiva Alfred Hitchcock no DVD.
Os filmes recém-lançados pela Continental são todos dos anos 40, da primeira fase americana de Hitchcock, quando o mestre inglês estava vinculado por contrato a David Selznick, embora nem todos sejam produzidos por ele.
Já há filmes da fase posterior (sobretudo da grande fase dos anos 50) em circulação, e a própria Continental promete, ainda para este ano, novos lançamentos, agora da fase inglesa.
Como Hitchcock é ao mesmo tempo um clássico indiscutível e o mais popular dos cineastas de todos os tempos, é justo que seja o primeiro a ter sua obra amplamente divulgada em DVD, agora que o novo formato começa a se popularizar.
Sabe-se que a independência de Hitchcock não agradava imensamente a David Selznick, embora fosse, a rigor, a única coisa que o desagradava. O fato é que Hitch teve seu contrato emprestado a vários outros produtores.
E, pode-se, dizer: felizmente. É verdade que "Rebecca" ("Rebecca, a Mulher Inesquecível"), Oscar de melhor filme de 1940, se aguenta magnificamente até hoje, ao menos em parte.
O início, em Monte Carlo, é retumbante, já que Edith van Hopper, a velha assanhada de quem a futura Mrs. De Winter (Joan Fontaine) é dama de companhia, compõe um personagem de humor bem hitchcockiano.
A segunda parte, quando o casal vai para a mansão, é dominada pela figura da governanta, Mrs. Danvers, mas tem momentos melodramáticos pelos quais Hitchcock pouco parece se interessar.
"The Paradine Case" ("Agonia de Amor") gira em torno do possível assassinato do sr. Paradine pela própria mulher. O centro é a paixão do advogado Gregory Peck por sua cliente, a suspeitíssima Alida Valli.
O filme ressente-se do roteiro, escrito pelo próprio Selznick, e Hitchcock parece não ter especial interesse em dirigir esse drama de tribunal, embora não o deixe tornar-se desinteressante. Mas talvez lhe falte o cinismo que levaram Otto Preminger ("Anatomia de um Crime") ou Billy Wilder ("Testemunha de Acusação") a criar obras-primas do filme de tribunal. Foi a última colaboração entre Hitchcock e Selznick. Depois disso, o mestre inglês estaria livre da tirania do produtor.
Os demais filmes da caixa são por vários títulos notáveis. "Notorious" ("Interlúdio") é a indiscutível obra-prima do lote. Trata-se de uma história de espionagem ambientada no pós-guerra, com remanescentes nazistas tentando reconstruir o movimento. No Brasil.
A trama é perfeita, pois não apenas existe o entrecho romântico, entre o agente aliado Cary Grant e Ingrid Bergman. Esta é filha do chefe dos nazistas, Sebastian (Claude Rains), o que cria uma cadeia de relações entre eles, onde a noção de lealdade (ao pai, ou à pátria, ou ao homem amado) é desenvolvida com brilho raras vezes igualado pelo próprio Hitchcock. Não por acaso, foi produzido por ele para a RKO.
Também de espionagem é "Foreign Correspondent" ("Correspondente Estrangeiro"), em que Joel McCrea interpreta o intrépido jornalista às voltas com o desaparecimento de um ministro pacifista holandês. Trata-se também de um filme irregular, onde uma cena do desastre aéreo e a passagem dos moinhos de ventos se sobressaem do conjunto.
"Spellbound" ("Quando Fala o Coração") é um thriller psicanalítico inusitado. Gregory Peck é um amnésico que se passa pelo dr. Edwardes, mas que o teria matado. Ingrid Bergman, a analista que se apaixona por ele, investiga o caso em duas frentes: tenta encontrar os motivos que o levaram à amnésia e demonstrar sua inocência. Seu exercício detetivesco (no mais, algo inscrito em sua atividade) a levará, por fim, à busca do real assassino.
O filme tem como momento mais célebre (mas não o mais entusiasmante) o sonho criado por Salvador Dalí. Mais marcante é a cena de empalamento que leva a analista a deduzir onde começaram os problemas de seu amado.
Num todo muitíssimo interessante, deve-se relevar o encontro de Hitchcock com Ingrid Bergman -foi a primeira parceria entre ambos- e um Gregory Peck bem deslocado no papel. Por fim, a cena de suicídio do criminoso está P&B e não com a cor vermelha que alguns garantem ter existido em algumas cópias.
A série, com seus altos e baixos (mais altos), dá um retrato fiel das flutuações de Hitchcock em seus primeiros anos de Hollywood: ali se insinuam já os elementos de sua fase madura dos anos 50 e também se deixam ver as vicissitudes por que passou, num momento em que ainda não controlava inteiramente seus projetos.


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