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São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2003

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DISCO/LANÇAMENTO

"COM ELA"

Percussionista acompanhou cantora por oito anos em shows e CDs

Lanlan estréia carreira solo "com" Cássia Eller

DA REPORTAGEM LOCAL

Elaine Silva Moreira começou a ser notada na MPB como a frenética percussionista baiana na cozinha dos shows de Cássia Eller. Parceira fiel nos últimos oito anos de vida da cantora, estava com Cássia quando ela sofreu a parada cardiorrespiratória que acabou por matá-la, no final de 2001.
Num primeiro momento, segurou o tranco da fase policial que se seguiu e caiu em abatimento. Perdeu "toda a graça de fazer música", por causa da "perda patética". Ninguém supunha que um dos resultados de tal epopéia fosse ser a estréia como cantora solo, que acontece agora. O CD sai pela gravadora independente baiana Maianga, e se chama "Com Ela".
Ninguém supunha, exceto a própria Lanlan, hoje com 34 anos. No final dos anos 80, quando participou do grupo baiano de rock Rabo de Saia como baterista e backing vocal, já se iniciou como compositora.
"Amor Destrambelhado" foi seu primeiro rock, que Cássia recuperaria em 1998 e que Lanlan regrava agora em companhia de Márcio Mello, ex-companheiro de Rabo de Saia.
Seguiu compondo e pensando numa carreira solo nas horas vagas do trabalho como percussionista de Elba Ramalho, Tim Maia, Carlinhos Brown, Marisa Monte, Kid Abelha e outros, principalmente Cássia Eller.
"Compunha, mas morria de vergonha de mostrar. Morria, não, morro até hoje", diz, lamentando nunca ter tido coragem de pegar o violão e cantar suas músicas para Cássia Eller.
A tragédia pode ter acelerado sua história particular ("Só consigo compor quando estou muito triste, por causa de afeto, perda"), mas não foi a motivadora principal, ela afirma.
Em 1999, Lanlan fez seu primeiro show como líder da banda Os Elaines (que a acompanha até hoje, em "Com Ela"), em Salvador. Cássia não pôde ir, mas assistiu ao vídeo depois.
Consumada a perda da parceira, diz que se surpreendeu ao se ver conseguindo voltar à vida devagarinho. Menos de dois anos depois debuta num disco repleto de referências explícitas e implícitas a Cássia. Ao menos duas canções, "Com Ela" e "Broto", são assumidamente feitas para Cássia, após sua morte.
"O meu amor é você/ não passa, não/ não me conformo com isso", canta na balada blue inconformada "Broto". Lanlan procura honrar o avanço que Cássia propiciou ao Brasil com sua postura direta em relação à sexualidade. Diz que já se apaixonou por homens e por mulheres, e que não trata sexualidade como problema.
"Minhas letras são todas com "ela", "ela", "ela", está na cara. Vamos ser verdadeiros, porque o mundo está pegando fogo", proclama.
Apesar de acusar distorções no modo como a mídia tratou o caso, hoje comemora a serenidade que se estabeleceu mais adiante, pelo apoio da população e pelo que ela chama de uma revolução silenciosa iniciada por Cássia.
"A conquista da guarda do filho por sua companheira Eugênia me tranquilizou, isso foi muito importante para o Brasil. Pena que o preço foi muito alto, a morte dela", comemora/lamenta.
Se há tanta tristeza em volta, ainda assim Lanlan concebeu o disco "Com Ela" como um disco para cima, roqueiro, mas rico em referências a reggae, ska, percussão baiana, brisa espanhola.
Assimila a cultura de alegria da axé music, da Bahia de que se afastou há 14 anos. Celebra a "pioneira" Sara Jane, para ela uma das maiores intérpretes que a Bahia já teve. Mas diz que como cantora quer estar mais para Cássia Eller e Jussara Silveira que para as intérpretes baianas que "exageram".
Talvez por essa via, diz que tenta um modo bem humorado de sair da tristeza, mesmo nas canções mais tristes e nas feitas sob o impacto da morte de Cássia. "Fazer o disco foi uma terapia muito boa. A vida prossegue. Mas era muito melhor com ela", finaliza.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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