São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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Filme traz à luz o lado mais negro da ditadura

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DA ILUSTRADA

Sabe-se que documentários se distinguem de ficções porque neles predomina uma fidelidade a fatos, um poder revelador de verdades, em suma, uma certa objetividade. Em alguns casos, porém, o formato do documentário consegue apreender algo além do factual, ultrapassar a almejada objetividade e revelar subjetividades.
É o que se vê em "Tempos de Resistência", dirigido por André Ristum, que será exibido na próxima quarta, aniversário do golpe de 64, no festival É Tudo Verdade.
O filme é construído a partir de depoimentos de "sobreviventes" dos anos de chumbo, militantes de esquerda que participaram da luta armada contra a ditadura militar. Suas falas se encarregam de testemunhar primeiro os ideais (o combate ao regime, a luta por uma sociedade igualitária ou "comunista"); depois, a crise de suas utopias (com o recrudescimento da repressão -a partir do AI-5- e o desmantelamento das guerrilhas urbana e rural); por fim, os fantasmas da luta armada (com a tortura, a morte e o exílio).
É com essa "evocação" que o documentário ultrapassa os limites do factual e traz à tona o que de fato assombra. Das vozes dos ex-guerrilheiros emana não apenas a memória e a saudade dos companheiros mortos. Por meio delas, "Tempo de Resistência" consegue registrar aquilo que suas imagens jamais mostram -o torturador, fantasma onipresente que move a máquina da dor ou a "manivela que dispara o choque elétrico", como relata em detalhes uma de suas tantas vítimas.
Em vez de opor "bons" e "maus" ou de isentar os convertidos à luta armada de toda responsabilidade (como se não tivessem feito, eles mesmos, escolhas, inclusive por atos terroristas), "Tempo de Resistência" acerta ao exibir o que mais se esforça para não se mostrar aos olhos da história celebratória: o horror.


TEMPO DE RESISTÊNCIA. Quando: quarta (31/3), às 21h. Onde: Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 0/xx/11/3082-0213). Quanto: entrada franca.


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