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Michael Moore elogia política nacional no prólogo à edição brasileira de "Cara, Cadê o Meu País"
"Deus tem de ser brasileiro"
MICHAEL MOORE
Saudações, meus amigos brasileiros e orgulhosos membros da
Coalizão dos Sem Vontade!
Qual é o problema com vocês?
Por que é que vocês não demonstram boa vontade e não se juntam
a nós nesta guerrinha contra o
Iraque? Vocês não sabem que é
preciso obedecer e fazer o que foi
mandado quando a única superpotência sobre o mundo está ladrando? Nós latimos, vocês pulam - essa é a regra! O que é que
houve? Mr. Bush não ofereceu
uma caixinha boa o bastante pra
animá-los a apresentar armas e
bombardear o povo do Iraque?
Vocês não sabiam que Saddam, o
Malfeitor, tinha armas de destruição em massa? Tremendas armas!
Isso mesmo! Assustadoras! Ele...
ele... ele pode ficar invisível, e ele
tem ocultos e malignos poderes
do tipo, ahn, ele, ele, ele pode
transformar você numa traça! E,
e... ele pode voar, também! Ele
pousou no topo do Empire State
Building - eu vi- e parecia que
ia acabar com a gente! No duro!
Para os milhões de nós que, aqui
nos Estados Unidos, tratamos de
fazer o melhor que podemos para
impedir que se alastre pelo mundo a ameaça do regime Bush, seus
esforços aí no Brasil para confrontar e resistir a Bush são altamente necessários. Mais que isso:
são desesperadamente apreciados. Não nos servem para nada
esses líderes cretinos (como Tony
Blair) que seguem como carneirinhos as idéias cretinas do nosso
próprio e cretino "presidente".
Afortunadamente vocês - o belo
povo brasileiro -, junto a um punhado de outro países, não se intimidaram com a provocação da
guerra. O ano que passou assistiu
à ocorrência, ao redor do mundo,
de algumas das maiores demonstrações contra a guerra em toda a
história. Tudo que eu posso dizer
a vocês é obrigado, obrigado,
obrigado.
Recentemente, em viagens ao
exterior, as pessoas me agradecem e me saúdam como "o único
americano são". É um cumprimento, mas não é verdade. Eu
posso garantir a vocês que nem
toda a América enlouqueceu. Por
favor, jamais esqueçam esta simples e única verdade: a maioria
dos americanos não votou em
George W. Bush. Ele não está na
Casa Branca pela vontade do povo americano. A maioria dos
americanos, contrariamente à
crença popular, é de fato bastante
progressista e liberal - só que faltam líderes realmente comprometidos com o caráter liberal para
servi-los. Quando isso for consertado (eu espero que logo), as coisas vão melhorar.
Eu venho aqui para lhes dizer
que não estou sozinho, e que na
verdade estou prensado no meio
dessa nova maioria americana.
Dezenas de milhões de cidadãos
pensam como eu penso e vice-versa. Acontece que vocês não ouvem falar neles - muito menos
pela imprensa. Mas eles estão aí
- e sua ira apenas começa a
emergir à superfície. O que eu faço é apenas continuar ajudando
na tarefa de perfurar essa camada,
de forma que a raiva emergente
desses milhões possa jorrar poderosa, como um gêiser de ação democrática.
É compreensível que o Brasil e o
resto do mundo pirem com o
comportamento dos Estados
Unidos da América. Vocês têm
razão para tal. A turma no poder
aqui é pra lá de Deus me livre. Tudo que vocês têm a fazer é perguntar a si mesmos: "Se esses
gangsters são capazes de roubar
uma eleição, do que mais eles não
seriam capazes de fazer?". Eu só
digo o seguinte: nada vai detê-los
na destruição do que estiver no
seu caminho, especialmente se
eles estiverem no caminho de fazer mais uma graninha. E eles vão
castigar vocês, sejam aliados ou
não, se vocês não se ajoelharem e
baixarem a cabeça à passagem deles, em marcha para a próxima
troca da guarda do poder (preferivelmente, o poder de uma nação
que possua uns bons e lucrativos
lençóis de petróleo, obrigado).
Tudo isso vai acabar por levá-los
- e a nós - à ruína, é claro. Eu
acho que a maioria dos americanos, por uma estreita margem, se
dá conta, em algum ponto de suas
entranhas, dessa situação dramática. Eles estão apenas miseravelmente perdidos, em parte por
uma forçosa ignorância que começa na escola, onde eles aprendem algo próximo a nada sobre o
restante do mundo, e que continua ao longo de todas as suas vidas adultas, servidas por uma mídia que eliminou qualquer traço
de notícias estrangeiras que não
tenham algo a ver com os Estados
Unidos.
Que nada saibamos respeito de
vocês deve ser a coisa mais assustadora do mundo a nosso respeito.
A maioria de nós não consegue
localizar vocês no mapa - e, pior,
também não conseguimos localizar nosso inimigo. De acordo com
uma pesquisa recente, 85% dos
americanos adultos com idades
entre 18 e 25 anos não conseguem
achar o Iraque em um mapa. Eu
acho que o primeiro parágrafo do
código de leis internacionais deveria ser o seguinte: se um povo
não consegue encontrar o seu inimigo sobre o globo terrestre, ele
não tem permissão para bombardeá-lo.
É possível que um povo tão ignorante esteja no controle do
mundo? Antes de mais nada, como foi possível que chegássemos
lá? Oitenta e dois por cento de nós
não temos nem sequer um passaporte! Só um punhado de nós pode falar em outra língua que não o
inglês (e nós mal falamos essa...).
George W. só agora anda vendo o
resto do mundo, e porque ele tem
de ver, poirque, uai, é u qui us presidente faiz.
Eu acho que nós só estamos no
comando do mundo porque temos armas maiores. É engraçado
como isso sempre parece funcionar. Nós "ganhamos" a Guerra
Fria por desistência - a União
Soviética, graças ao sr. Gorbatchev, decidiu simplesmente saltar
fora depois que eles se viram estrangulados em um sistema que
não funcionava, só isso. O regime
que controlava a Alemanha
Oriental caiu porque as pessoas
saíram às ruas e começaram a bater num Muro com marretas. Cara, saca essa - troca de regime
sem que um único tiro seja disparado!
Alguma coisa aconteceu na
África do Sul também - ninguém precisou bombardeá-la para que seu povo fosse libertado!
Aliás, contam-se por aí umas duas
dúzias de países liberados, nessa
década e pouco que passou, graças a uma combinação de pressão
mundial e, acima de tudo, da própria deliberação dos povos, que se
ergueram de forma não-violenta
para tomar as rédeas do poder.
Mas como nós não temos notícias de nada que ocorra para além
do Brooklyn ou de Malibu, eu
acho que nós não ficamos sabendo como se fazem legítimas mudanças de regime. Daí que, no caso do Iraque, não foi preciso muito para puxar a manta sobre os
olhos dos americanos (conectar o
11 de setembro de 2001 a Saddam
Hussein é o meu preferido entre
os artifícios usados) e fazê-los cair
nessa.
Ok, é compreensível. Nós não
aprendemos mesmo e, como eu
estou certo de que vocês sabem,
somos uns crentes irrecuperáveis.
Somos muito sociáveis e generosos e simples na nossa maneira de
ser. Se vocês nos disserem que
precisam da nossa ajuda, nós saímos correndo em seu socorro. Se
vocês nos disserem que jumento
voa, nós vamos acreditar (desde
que tenha aparecido na TV). É assim que nós somos e, eu tenho
certeza, vocês acham charmoso
esse nosso jeito. Me digam se não,
admitam, vá, é disso que vocês
gostam em nós! Sem mencionar
nosso espírito pra cima, empreendedor! Antes do meio-dia
nós apresentaremos ao mundo a
próxima grande invenção! Determinação! Ambição! Firmes na
postura do "sim, eu posso"! Tá
certo, nós não tivemos um único
dia de folga nos últimos seis anos
- mas e daí? Quem é que precisa
dormir? Nós temos um mundo
pra governar!
Essas são, suponho, as razões
pelas quais nós temos nos comportado desse jeito. Agora pergunto eu: que desculpa que vocês
têm? Vocês têm uma rica, única,
maravilhosa cultura. O Brasil é
um lugar tão fantástico que fez
com que a família real portuguesa
abandonasse o próprio país e fosse praí montar a lojinha! Tudo
que eu tenho visto do Brasil - o
povo, as praias, a música, as
praias, a dança e... eu já falei das
praias? - me fez ficar convencido: Deus tem de ser brasileiro.
Mas apesar de todas essas vantagens, o Brasil tem uma porção de
senões, e é mais que tempo que os
afortunados façam alguma coisa a
respeito. O Brasil tem de se erguer
acima dos seus problemas, do racismo arraigado, do qual muitos
não querem nem falar, aos déficits nacionais, sob os quais muitos
gostariam de ver seu país esmagado. Fazer frente à América na
questão da guerra (e ainda gozar
com a cara das políticas de imigração do Bush) foi uma atitude
fantástica. Eleger um líder popular que saiu das classes trabalhadoras foi um tremendo passo à
frente. Resistir à Alca também é
bom. Sigam no caminho, lutem o
bom combate. Você têm a economia mais poderosa entre as das
Américas do Sul e Central - vocês estão na posição de dar o
exemplo, de mostrar a outros o
caminho certo. Tenham sempre
isso em mente. E, pelo amor de
Deus, parem de gastar dinheiro
com o Exército. O Paraguai já está
ferrado o bastante sem a "ajuda
militar" que vocês possam dar.
Agora as boas notícias: enquanto eu escrevo este prólogo, uma
nova pesquisa de opinião registra
que, pela primeira vez, a maioria
dos americanos não acredita que
Bush venha a ter um segundo
mandato. Essa é uma tremenda
notícia, considerando-se o apoio
que ele teve a princípio para sua
guerrinha, a mesma que acabou
por se tornar uma guerra sem fim.
Viu só? Há vantagens no fato de
que os americanos tenham uma
capacidade tão limitada de concentração e na nossa necessidade
de sermos gratificados de forma
instantânea. O Iraque não foi como Granada, e já encheu o saco!
Nós queremos programas de TV
com final feliz! Ei, por que esses
caras continuam atirando na gente? Eu quero ir embora!
Uáááááááááááááááááááááááá'!!!
Só mais uma coisa... Do ano
passado para cá, desde que meu
livro "Stupid White Men - Uma
Nação de Idiotas" e meu documentário "Tiros em Columbine"
foram lançados, eu tenho ficado
impressionado com a resposta ao
meu trabalho em todo o mundo.
Dois anos atrás, foi uma honra
mandar o Columbine ao Festival
de Cinema do Rio, e eu estou
igualmente honrado que este,
meu mais recente livro, tenha sido
agora traduzido para o português.
Nestes vinte e quatro meses que
então se passaram, tenho tido um
retorno cada vez maior de mais e
mais brasileiros. Espero que todos vocês continuem trocando
idéias comigo - sobre o meu
país, sobre o seu país - e que,
unidos às pessoas que estão conosco em todo o mundo, nós possamos nos proteger uns aos outros das más decisões dessas figuras que freqüentemente se proclamam nossos líderes. Mais de cinco milhões de cópias de "Stupid
White Men" foram impressas em
todo o mundo (parece que só
Harry Potter vendeu mais), e a bilheteria de "Tiros em Columbine"
estabeleceu o recorde de todos os
tempos para um filme documentário. Estou muitíssimo agradecido, porque significa que posso seguir publicando as palavras que
eu quero publicar e fazendo os filmes que eu quero fazer, sem interferências. É uma dádiva, que
não tomo como um acaso. Eu a
tomo como um sinal de que o público deslocou-se da direita e que
o tempo está maduro para um
movimento em direção àquelas
coisas boas que nós gostaríamos
que acontecessem. É encorajador
saber que, no ano passado, numa
época em que Bush era supostamente tão popular (como a mídia
insistiu erradamente em registrar), o livro que os americanos
mais compraram e leram, mais
que qualquer outro, levava por título "Stupid White Men - Uma
Nação de Idiotas", e era estrelado
por ninguém menos que George
W. Bush. Vocês viram? Nem tudo
está perdido!
Tenham fé! Confiem! Tenham
esperança! Mantenham o Carnaval pelado!
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