São Paulo, quarta-feira, 28 de março de 2007

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Oz vê mundo em conto de fadas

Escritor israelense questiona a falta de tolerância em "De Repente, nas Profundezas do Bosque"

Fábula mostra que "a vida sem o outro é triste"; para autor, que deve vir para a Flip, a literatura que descreve um campo de batalha é "mentira"


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma aldeia amaldiçoada, cinzenta e triste. Perto dela, um bosque sombrio, onde é proibido entrar. Não, não é "A Vila", de M. Night Shyamalan, mas parece. Trata-se, sim, do novo livro do escritor israelense Amós Oz, "De Repente, nas Profundezas do Bosque".
Seguimos dois garotos que resolvem enfrentar o medo e entrar na mata onde vive "o outro" para desvendar o grande mistério do local: por que todos os animais da região teriam, simplesmente, desaparecido.
Oz, 67, conhecido por ter uma visão moderada sobre o conflito entre israelenses e palestinos, defendendo a existência de dois Estados, dá recados por meio da obra. Professor de literatura da Universidade Ben Gurion, Oz pode vir em julho para a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Ele conversou com a Folha por telefone, de Arad, cidade no deserto de Neguev, onde vive.

 

FOLHA - Este é seu primeiro livro após "De Amor e Trevas", que tinha um tom memorialista e político. Agora, estamos diante de uma espécie de conto de fadas. Como compara esses dois últimos trabalhos?
AMÓS OZ -
Ambos guardam parentesco na raiz. "De Amor e Trevas" traz fábulas que minha mãe contava, e estas amarravam minhas memórias. "De Repente", por sua vez, é uma fábula que eu criei, mas que minha mãe poderia ter me contado. Ou seja, é inspirado em seu modo de elaborar histórias.

FOLHA - É inevitável pensar numa alegoria política quando a mensagem final refere-se à necessidade de se combater preconceitos. O sr. concorda?
OZ -
Não acho que o livro seja apenas uma alegoria política. Pode ser lido por diversos ângulos. Um deles é o familiar. A história mostra o que acontece quando, por exemplo, falta amor a uma família. De um ponto de vista mais pessoal, é um questionamento sobre como pode ser possível viver junto sem tolerar o outro. É político, sim, mas não é sobre Israel especificamente. A intolerância e a divisão não são a única constante aqui. As pessoas parecem não saber que, em Israel, há uma vibração grande, de ambiente mediterrâneo, as pessoas consomem cultura, vão a cafés. Não estamos todo o tempo discutindo os assuntos relacionados à questão palestina.

FOLHA - Há também uma preocupação ecológica embutida na narrativa, não?
OZ -
Sim. Na história, os animais desaparecem. É um meio para falar de aquecimento global e da destruição da natureza que, mais uma vez, não são problemas só de Israel...

FOLHA - As crianças saem da aldeia em direção ao bosque, onde aprendem algumas lições. O que é essa floresta?
OZ -
É um lugar onde se percebe que não tolerar o outro é o início da destruição do homem. É onde vive "o outro". E, ao mesmo tempo, é onde se percebe que a vida sem o outro é muito ruim, é muito triste.

FOLHA - O sr. disse numa entrevista que achava difícil falar da experiência no campo de batalha, apesar de ter lutado na guerra dos Seis Dias e na do Yom Kippur. Por quê?
OZ -
Não é que não queira falar do campo de batalha. É que isso é impossível. O campo de batalha refere-se a uma parte do homem que é indescritível. Não é possível traduzir em palavras. Se você quiser fazer literatura a partir da descrição de um campo de batalha, estará mentindo.

FOLHA - O sr. não se cansa de responder sobre a questão palestina?
OZ -
Não. Sei que está na pauta de todo jornalista que me entrevista. Não ligo. Tenho uma postura filosófica sobre isso. Acho que tenho sempre que responder bem. Faz parte. Se eu fosse brasileiro, iam me perguntar sobre o Carnaval ou sobre a corrupção, não iam?

FOLHA - Talvez. O sr. sempre defendeu a idéia de dois Estados para acabar com os conflitos entre israelenses e palestinos. Isso mudou desde o 11 de Setembro e suas conseqüências?
OZ -
Não mudou. Acredito na solução de um país com dois Estados simplesmente porque não há outra alternativa.

FOLHA - Mas esse projeto não parece estar mais difícil de alcançar?
OZ -
Sim, o fanatismo religioso está piorando a situação. Mas não sou só otimista. Como disse, acredito nessa solução porque não há outra alternativa.


DE REPENTE, NAS PROFUNDEZAS DO BOSQUE
Autor:
Amós Oz
Lançamento: Companhia das Letras
Preço: (R$ 31; 148 págs.)


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