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Oz vê mundo em conto de fadas
Escritor israelense questiona a falta de tolerância em "De Repente, nas Profundezas do Bosque"
Fábula mostra que "a vida sem o outro é triste"; para autor, que deve vir para a Flip, a literatura que descreve um campo de batalha é "mentira"
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma aldeia amaldiçoada,
cinzenta e triste. Perto dela, um
bosque sombrio, onde é proibido entrar. Não, não é "A Vila",
de M. Night Shyamalan, mas
parece. Trata-se, sim, do novo
livro do escritor israelense
Amós Oz, "De Repente, nas
Profundezas do Bosque".
Seguimos dois garotos que
resolvem enfrentar o medo e
entrar na mata onde vive "o outro" para desvendar o grande
mistério do local: por que todos
os animais da região teriam,
simplesmente, desaparecido.
Oz, 67, conhecido por ter
uma visão moderada sobre o
conflito entre israelenses e palestinos, defendendo a existência de dois Estados, dá recados
por meio da obra. Professor de
literatura da Universidade Ben
Gurion, Oz pode vir em julho
para a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Ele conversou com a Folha por telefone, de Arad, cidade no deserto
de Neguev, onde vive.
FOLHA - Este é seu primeiro livro
após "De Amor e Trevas", que tinha
um tom memorialista e político.
Agora, estamos diante de uma espécie de conto de fadas. Como compara esses dois últimos trabalhos?
AMÓS OZ - Ambos guardam parentesco na raiz. "De Amor e
Trevas" traz fábulas que minha
mãe contava, e estas amarravam minhas memórias. "De
Repente", por sua vez, é uma fábula que eu criei, mas que minha mãe poderia ter me contado. Ou seja, é inspirado em seu
modo de elaborar histórias.
FOLHA - É inevitável pensar numa alegoria política quando a mensagem final refere-se à necessidade de se combater preconceitos. O sr. concorda?
OZ - Não acho que o livro seja
apenas uma alegoria política.
Pode ser lido por diversos ângulos. Um deles é o familiar. A
história mostra o que acontece
quando, por exemplo, falta
amor a uma família. De um
ponto de vista mais pessoal, é
um questionamento sobre como pode ser possível viver junto sem tolerar o outro. É político, sim, mas não é sobre Israel
especificamente. A intolerância e a divisão não são a única
constante aqui. As pessoas parecem não saber que, em Israel,
há uma vibração grande, de ambiente mediterrâneo, as pessoas consomem cultura, vão a
cafés. Não estamos todo o tempo discutindo os assuntos relacionados à questão palestina.
FOLHA - Há também uma preocupação
ecológica embutida na narrativa, não?
OZ - Sim. Na história, os animais desaparecem. É um meio
para falar de aquecimento global e da destruição da natureza
que, mais uma vez, não são problemas só de Israel...
FOLHA - As crianças saem da aldeia em
direção ao bosque, onde aprendem algumas lições. O que é essa floresta?
OZ - É um lugar onde se percebe que não tolerar o outro é o
início da destruição do homem.
É onde vive "o outro". E, ao
mesmo tempo, é onde se percebe que a vida sem o outro é muito ruim, é muito triste.
FOLHA - O sr. disse numa entrevista que achava difícil falar da experiência no campo de batalha, apesar
de ter lutado na guerra dos Seis Dias
e na do Yom Kippur. Por quê?
OZ - Não é que não queira falar
do campo de batalha. É que isso
é impossível. O campo de batalha refere-se a uma parte do homem que é indescritível. Não é
possível traduzir em palavras.
Se você quiser fazer literatura a
partir da descrição de um campo de batalha, estará mentindo.
FOLHA - O sr. não se cansa de responder sobre a questão palestina?
OZ - Não. Sei que está na pauta
de todo jornalista que me entrevista. Não ligo. Tenho uma
postura filosófica sobre isso.
Acho que tenho sempre que
responder bem. Faz parte. Se
eu fosse brasileiro, iam me perguntar sobre o Carnaval ou sobre a corrupção, não iam?
FOLHA - Talvez. O sr. sempre defendeu
a idéia de dois Estados para acabar com
os conflitos entre israelenses e palestinos. Isso mudou desde o 11 de Setembro e suas conseqüências?
OZ - Não mudou. Acredito na
solução de um país com dois
Estados simplesmente porque
não há outra alternativa.
FOLHA - Mas esse projeto não parece
estar mais difícil de alcançar?
OZ - Sim, o fanatismo religioso
está piorando a situação. Mas
não sou só otimista. Como disse, acredito nessa solução porque não há outra alternativa.
DE REPENTE, NAS PROFUNDEZAS DO BOSQUE
Autor: Amós Oz
Lançamento: Companhia das Letras
Preço: (R$ 31; 148 págs.)
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