São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Crônicas, colunas e mosquitos

Quanto ao tamanho das crônicas, um texto com mais de duas laudas era cascata, encher lingüiça

LEITOR JUSTAMENTE indignado com meus textos publicados na página 2 da Folha, reclama da insistência com que os considero "crônicas" e não "colunas", que seria a classificação correta na opinião dele, na opinião do povo e do Senado romano. Diz ele que não se pode considerar como crônicas os seis ou sete parágrafos que a feição gráfica daquela página estabelece para os "colunistas".
Realmente, sempre recusei a classificação de colunista desde o remotíssimo ano em que dois editores do "Correio da Manhã" (Moniz Vianna e Fuad Atalla) me abriram espaço na capa do segundo caderno para escrever o que me viesse na cabeça, tronco e membros. Eles foram claros: queriam crônicas. O jornal tinha vários e brilhantes colunistas, responsáveis por seções fixas, como teatro, cinema, música, artes plásticas, fofocas, livros, rádio e TV, saúde, turismo etc. Eu revezaria com um tal de CDA, este no primeiro caderno, que além de poeta maior era cronista dos melhores de todos os tempos.
Mais ou menos naquela época, fui convidado a fazer o mesmo na Folha, onde mais uma vez revezava com uma poeta, das maiores de nossa língua: Cecília Meireles. Éramos cronistas -com a óbvia distinção de qualidade. Nem que nascesse mil vezes chegaria ao nível de Drummond e Cecília.
Quanto ao tamanho das crônicas, dos seis ou sete parágrafos que o leitor reclama, gosto de citar João Saldanha, que além de fazer "crônicas", tinha uma "coluna" sobre esportes nos vários jornais e emissoras em que atuava. Saldanha dizia que um texto com mais de duas laudas era cascata, enchimento de lingüiça.
Ao citar CDA, Cecília e Saldanha não estou me comparando a eles. Faço mal e porcamente o que eles faziam com engenho e arte. E enquanto a saúde terminal e os veículos me tolerarem, continuarei fazendo crônicas, ruins, mas minhas.
Mudando de assunto: durante os oito anos do governo FHC, nunca tive oportunidade de elogiá-lo. Pelo menos três vezes por semana, descia-lhe o pau e a editora Boitempo chegou a publicar uma coletânea de crônicas minhas, com charges do Angeli, "O Presidente que Sabia Javanês".
Fiquei sabendo que ele escreveu um prefácio para o livro do Henry Sobel. Não li nem pretendo ler o livro e o prefácio, mas achei bacana a atitude de FHC. Num momento em que o rabino está sendo apedrejado, a solidariedade do ex-presidente revela uma grandeza humana que pessoalmente admiro.
Terceiro assunto desta crônica (que tem mais de sete parágrafos) é para destacar o brilho e o trabalho de Lilia Moritz Schwarcz, uma uspiana que hoje é a maior conhecedora de uma fase da biografia do Rio de Janeiro.
Em livros, artigos e palestras, ela é a principal referência para diversos momentos da nossa história. Modesta, sem alardear o academicismo que no caso dela não seria postiço, Lilia merece entrar no panteão dos grandes cariocas, ao lado de dom Pedro 2º, sobre quem tanto e tão bem escreveu.
Deveria registrar também o trabalho do poeta e embaixador Alberto da Costa e Silva e do historiador José Murilo de Carvalho, que formam com Lilia um trio de ouro no terreno das pesquisas sobre Rio de Janeiro.
Alberto é piauiense por acaso, Zé Murilo é mineiro, Lilia é paulista. O governador Sérgio Cabral bem que podia mandar mensagem à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro propondo a concessão de um título especial, muito especial, aos três intelectuais que ultimamente mais se destacaram no estudo e na pesquisa da história do Rio, que afinal é o mapa da mina para se entender a história do Brasil.
Último assunto, mas não o último parágrafo. Nada de novo no front das mazelas cariocas. Não bastasse a violência urbana, estamos às voltas com um mosquito -sem termos no banco dos reservas um Oswaldo Cruz. Até um homem de gênio, como Ruy Barbosa, reclamou da campanha contra a febre amarela. A mídia da época crucificou o grande sanitarista, dele disseram o diabo, somente a Academia Brasileira de Letras o homenageou, mesmo não sendo ele um escritor.
Finalmente, o último parágrafo. Uma das melhores crônicas que conheço é de Machado de Assis e só tem uma frase: "No meu tempo já havia velhos, mas poucos".


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