São Paulo, sábado, 28 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/teatro/"Autopeças"

Cia. dos Atores reforça DNA criativo

Grupo leva ao Festival de Curitiba espetáculos "pessoais", criados por atores a partir de uma mesma estrutura de produção

LUIZ FERNANDO RAMOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Atores inventivos que se tornam dramaturgos e encenadores. Esta é uma tendência comum a vários grupos brasileiros contemporâneos, mas em nenhum deles expressou-se melhor do que na Cia. dos Atores. Seus integrantes estrearam no Rio a série de espetáculos "Autopeças", em que cada um deles desenvolveu trabalhos pessoais a partir de uma mesma estrutura de produção. Cinco dessas criações vieram ao Festival de Curitiba.
A atriz Suzana Ribeiro optou por visitar "Esta Propriedade Está Condenada", peça de Tennessee Williams de 1946. A delicada encenação propõe-se o desafio de apresentar atores adultos interpretando duas crianças brincando nos trilhos de uma estrada. Quando Suzana, como a menina abandonada, prestes a se prostituir, dança para o menino que empinava pipa, alcança-se momento raro. É um trabalho que se assume como inacabado e que tem potencial para se adensar mais.
"Apropriação", primeira encenação da atriz Bel Garcia, parte de pesquisa com a dramaturgia de Harold Pinter. Em processo colaborativo com os atores Leonardo Netto e Thierry Tremouroux, Bel costura uma dramaturgia à altura do autor. Com uma estrutura simples de dois homens que trabalham em um bar, nomeados A e B, chega-se a uma tensão e a uma intensidade poética extraordinárias. Além das típicas falas secas de Pinter, de sentido indeterminado, há uma discussão sobre as circunstâncias que os atores vivem quando interpretam seus textos. Mais do que uma peça de Pinter ou sobre ele, é um jogo com as sombras de seu teatro.

Diálogo provocativo
O ator e figurinista do grupo, Marcelo Olinto, preferiu convidar Gerald Thomas para escrever, encenar e iluminar o espetáculo "Bate Man". O resultado o comprova como um intérprete talhado ao estilo de Thomas. Mais do que nunca um dramaturgo inspirado, o encenador prossegue seu diálogo provocativo com nossa época e suas mitologias. Olinto aparece como um homem recém-torturado, em carne e viva e sangrando de tanto ser chicoteado. Em volta dele, caixas repletas de garrafas de vinho permitem um discurso cheio de ironia e derrisão. Não há diálogo com a Cia. dos Atores, mas ocupação e reafirmação de território.
Em "Talvez", o ator César Augusto colabora com roteiro criado por Álamo Facó e encena um processo de introspecção obsessiva. Facó, jovem ator saído das oficinas da companhia, é uma revelação. Neste solo, ele explora as possibilidades de um computador portátil como ferramenta de articulação cênica e de interação com o público. É despretensioso, mas com alta voltagem performativa e ótimos momentos.
Um vídeo apresentado entre os espetáculos, criação do diretor Enrique Diaz, revela como os procedimentos da companhia reverberaram numa oficina que ele realizou com atores europeus. Confirma-se ali o DNA do grupo e a impressão de que juntos poderão mais.


Veja mais fotos no blog Cacilda
cacilda.folha.blog.uol.com.br


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Crítica/teatro/Fringe: Mostra paralela em Curitiba chega a 290 peças, mas perde em qualidade
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.