São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Palhaço José

Paulo José comemora 73 anos interpretando um palhaço em filme de Selton Mello e distribuindo currículo para que jovens atores o conheçam melhor

Ator não compõe porra nenhuma! Ele chega lá e faz. No cinema é uma moleza. Você vai lá, faz piriri, pororó e vai embora.
PAULO JOSÉ
ator

Fotos Filipe Redondo/Folha Imagem
O ator Paulo José brinca no picadeiro cenográfico do filme "O Palhaço", em Paulínia (SP)

"Parabéns! Parabéns! Hoje é o dia do seu aniversário", cantarola Paulo José a quem o cumprimenta pelos 73 anos que acaba de completar. "Paulinho, lembra que sua festa de 60 foi tão boa que a gente fez logo outra?", diz a produtora Vânia Catani."Eu me lembro que a soma do quadrado dos catetos é igual à hipotenusa. E que o general Figueiredo pediu pra gente esquecê-lo", responde.

 


O ator está em Paulínia (SP) para dar vida ao palhaço Puro Sangue, seu personagem em "O Palhaço", segundo longa-metragem de Selton Mello. No camarim, entrega um currículo à repórter Lígia Mesquita, que acompanhou as filmagens no sábado, 20, no Polo Cinematográfico de Paulínia.

 


Paulo José carrega várias cópias de seu histórico profissional desde que uma atriz perguntou se já havia dirigido algo. "Sim, já", disse ele à jovem. Nas primeiras linhas do currículo, está dito que, entre 1947 e 1953, ele teve "participação em todos os espetáculos teatrais do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora", em Bagé (RS), onde viveu.

 


De lá para cá, já dirigiu 18 peças, além de novelas, minisséries, programas de TV e mais de 200 comerciais. Atuou em 38 filmes (de Domingos de Oliveira, Luiz Sergio Person e Cacá Diegues a Pedro Bial), 18 novelas e em peças de Beckett, Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Bertolt Brecht. Foi iluminador, figurinista e cenógrafo. Ganhou 32 prêmios.

 


"Estamos "listos'? [prontos, em espanhol]", pergunta Selton para sua equipe, ao entrar no set. Na cadeira de diretor, relê no roteiro a cena que vai filmar. Quando termina, entoa alto uma espécie de mantra: "Ohmm, Ohmm". Com os atores no picadeiro do fictício circo Esperança, começa o ensaio. De bermuda xadrez e camiseta com a cara do vilão Coringa, Selton pede para o ator mirim falar "cinco vezes mais alto". Não dá certo e ele então apela: "Pensa que o cara pode enfiar a espada na sua pança".

 


Na sequência, fala para a plateia de figurantes: "Batam palmas!" E volta ao picadeiro. Repete as falas dos personagens, deita no chão para mostrar o que quer. E ...ação! Alguns segundos depois, outro grito: "Corta!" Revê no monitor a cena. "Ô, amigão de verde, gostei dessa cara!", diz para um figurante. "Mas não mexe tanto a mão, senão parece macumba." O diretor afirma que esse é um filme diferente. "Não tem tiro, não tem violência, não tem favela. É só candura."

 


Do lado de fora do set, Paulo José conversa com Hudson Rocha, 37, o Kuxixo, do circo Beto Carrero, quinta geração de uma família de palhaços e que está ajudando os atores no trabalho. Paulo relembra cenas do circo que via na cidade gaúcha de Lavras, onde nasceu. "Chiquinho, o "meu palhaço", era muito simpático." O ator imita Conga, a mulher gorila.

 


Ele já fez aula de circo e personagens humorísticos como Shazan e conta que é fácil ser um palhaço. Menos para os netos. "Sou avô aborrecido. Falo "cala a boca, menino"." Outro problema é o corpo. "Perdi toda a flexibilidade." Há 15 anos, o ator é portador do mal de Parkinson. Tem um personal trainer, William Vorthees, especialista na doença, há 14 anos. Ele o acompanha inclusive nas filmagens. Para aliviar as fortes dores na coluna, o ator faz exercícios diários de alongamento.

 


Puro Sangue, seu personagem no filme, é o "escada", que prepara a piada para o colega. Ele se lembra de Fred, da dupla com Carequinha, e de Dedé, parceiro de Didi em "Os Trapalhões", "um péssimo escada. Não tinha graça, era tatibitate".

 


"Ator é tudo burro", diz ele à produtora Vânia, com quem divide um cigarro."Aliás, bobagem essa história de ator dizer que compõe personagem. Não existe isso. Ator não compõe porra nenhuma! Ele chega lá e faz." No cinema, então, é "uma moleza. Você vai lá, faz piriri, pororó, e vai embora".

 


Selton diz que, no começo, ficou intimidado ao dirigir Paulo. Mas logo perdeu o pudor. "Personagem tem dono", diz. "Eu e ele somos vizinhos no Rio. Já trabalhei com a Ana, filha dele, mas nunca coincidiu de fazermos nada juntos. Agora, rolou."

 


Paletó com flor na lapela, macacão xadrez e chapéu (da figurinista Kika Lopes, sua mulher há 14 anos), Paulo está pronto para entrar em cena. "E aí mestre?", pergunta para Selton -que também trabalha como ator no filme, interpretando Pangaré, filho do personagem de Paulo em um circo mambembe e decadente.

 


Quando toda a equipe vai deixando o set, Selton pede a Paulo que fique. "Ih, lá vem sacanagem", diz o ator. As luzes se apagam. Os colegas entram com um bolo. Ele se levanta, tira o chapéu, agradece e corre em círculos pelo picadeiro.

 


Um palhaço de verdade, contratado para a festa, surge de repente. A equipe do filme assume os instrumentos e começa a tocar. Ao lado de Selton, o aniversariante bate palmas: "Co-me-ça! Co-me-ça!"

 


O palhaço entrega a ele facas de mentira, que Paulo finge atirar num colega. Clara Kutner, sua filha com Dina Sfat, registra a cena em fotos e vídeos. A atriz Larissa, nove anos, entrega a ele um palhaço de porcelana.

 


Trêmulo, ele corta o bolo. Os colegas cantam: "Aha! Uhu! Ô, Paulo, eu vou comer o seu bolo!" "Que coisa mais insólita. Eu nunca tive uma festa assim."


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